O 'freak show' de Michelle Bolsonaro e o olho que vê aquilo que o coração não sente

E o que dizer do amor que ela diz sentir ao ver a deputada Amália Barros sem um dos olhos?

Ricardo Nêggo Tom
Publicada em 19 de julho de 2023 às 08:39
O 'freak show' de Michelle Bolsonaro e o olho que vê aquilo que o coração não sente

Michelle e Amália (Foto: Reprodução)

Eu sempre tive a impressão de que alguém capaz de se unir a Jair Bolsonaro, seja em qualquer situação, sobretudo, em matrimônio, é igual ou pior do que ele. A atitude que a ex -primeira dama Michelle Bolsonaro tomou durante um evento do PL, fazendo uma colega de partido retirar a sua prótese ocular diante de uma plateia estranhamente empolgada diante da situação e tão insensível quanto ela, ratifica a minha impressão. Numa cena que remete às exibições de seres humanos portadores de alguma deficiência ou anomalia, que eram feitas como entretenimento em circos e em outros eventos pitorescos, popularmente conhecidos como “show de horrores”, a esposa de Bolsonaro exige que reflitamos sobre a bizarrice e a psicopatia que permeiam e pontuam a sua existência. E, se assim não o fizermos, estaremos, mais uma vez, naturalizando o abominável que caracteriza a família Bolsonaro. E sabemos bem o que isso significa.

Não é possível que as pessoas presentes ao local não tenham se sentido desconfortáveis ao verem Michelle Bolsonaro pedir para que a deputada Amália Barros (PL-MT), retirasse um de seus olhos, o pegasse com a mão e o colocasse no bolso da sua calça, sem a menor preocupação com a higiene da prótese e com os sentimentos de sua amiga. Um “main side show” macabro, de fazer os criadores dos espetáculos de “Human Freaks” no início do século 19 se sentirem amadores no gênero do horror. Dizendo-se uma mulher que "faz acontecer” e perguntando à platéia quem ali era como ela, Michelle convida à deputada para falar e a exibe como uma espécie de “mulher barbada” no escabroso e perverso circo de suas intenções políticas. Os bem-intencionados dirão que Michelle estava apenas incentivando Amália Barros a aceitar a sua condição monocular, elevando a sua autoestima diante da deficiência. Principalmente, por ela ter dito que ama ver a amiga sem a prótese. Porém, imagine se durante um programa de televisão, um apresentador que fosse muito amigo do cantor Roberto Carlos, lhe pedisse para retirar a prótese porque amava vê-lo sem uma perna?

O que Michelle Bolsonaro fez, foge à utilização de qualquer vernáculo para definir. E o que dizer do amor que ela diz sentir ao ver a deputada sem um dos olhos? Estaria ela querendo dizer: “vai ficar chorando a perda de um olho até quando? ” Seja mulher, porra! Será que, assim como o marido, Michelle também tem como especialidade matar? Gostaria de saber a opinião dos evangélicos que enxergam nela a virtuosidade de uma mulher de Deus. Afinal, foi graças ao apoio e ao voto de muitos desses religiosos, que o país teve uma versão cristã miliciana de “Bonnie and Clyde” como o primeiro casal da república. E por que colocar o olho da amiga no bolso? Capacitismo recreativo? Ou uma humilhação estratégica para tentar colocar Amália Barros, vice-presidente do PL Mulher, em condição de inferioridade a ela? São elucubrações que, por mais que possam parecer levianas, não podem ser descartadas diante do espetáculo “non sense” protagonizado por Michelle. No entanto, a reação da deputada após a repercussão de tamanho horror, dizendo que ela não se sentiu ofendida e que sua amiga sempre fez esse tipo de “brincadeira” com ela, nos convida a outra reflexão: quem precisa de inimigos tendo amigos assim?

Se normalmente o coração não sente aquilo que os olhos não veem, no caso de Michele, mesmo vendo com os próprios olhos a dor do outro, seu coração não é capaz de fazê-la evitar o constrangimento do outro diante dessa dor. Algo típico da classe média emergente que popularizou o show de horrores durante a Era Vitoriana, e que encontrava, na deficiência física e na anomalia genética de algumas pessoas, a sua principal fonte de diversão. Não sei se Michelle Bolsonaro já ouviu falar na Rainha Vitória, mas, provavelmente, um hipotético mandato presidencial sob o seu comando – e que todos os deuses, orixás, santos, caboclos e guias nos livrem dessa tragédia – resgataria os principais “valores” da monarquia britânica do século 19, onde o falso moralismo, a seletiva disciplina, os preconceitos legitimados e as severas proibições impostas aos cidadãos através da hipocrisia religiosa, algo semelhante ao bolsonarismo, caracterizavam o então governo.

Mesmo crendo que ela seria capaz de tirar o olho de alguém para atingir algum objetivo, prefiro dar a ela o benefício da dúvida, ainda que diante de um gesto tão perturbador. A minha saúde mental me agradecerá por isso. Se o reinado da rainha Vitória, segundo o psicanalista Jacques Lacan, teria sido necessário ao “despertar” para a importância da psicanálise no estudo do comportamento humano, a atitude de Michelle Bolsonaro é o tipo de comportamento que nem Freud, considerado o pai da referida ciência, explica.

Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

Comentários

  • 1
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    janaina muniz lobato 20/07/2023

    É assim que essa gente lida com as diferenças, ignora-as, tira vantagens e ainda coloca-as no bolso, sem um pingo de pudor.

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