O que explica o negacionismo da classe médica?
Uma possível explicação poderia ser a ojeriza ao comunismo que tantos colegas carregam, outro negócio que também não entendo
Como médico há muito tempo - podem me chamar de velho que estou acostumado, risos - nunca tive grandes ilusões com nossas lideranças de classe. Não é de agora: o reconhecimento de homeopatia como especialidade médica data de décadas. Um belo exemplo de não respeito à ciência que é a base da prática médica. Homeopatia não tem embasamento científico e nasceu de um ensaio clínico não randomizado de um único caso, e a partir dele virou uma doutrina nunca devidamente testada cientificamente. Mas nos últimos anos não tem como não ficar pasmo com as proezas do nosso Conselho Federal de Medicina. Durante o reinado de Don Jair I, espero que seja o único, o Conselho com alguma frequência foi a beija-mãos do supracitado. Não deu bola à atitude antivacina e declarações de amor a remédios reconhecidamente ineficientes contra o vírus da Covid-19. E culminou com o deslumbramento da vice-presidenta em exercício do Conselho Federal de Medicina durante os tristes episódios de 8 de janeiro deste ano; se o que ela colocou nas redes sociais não foi apoio a uma tentativa de golpe, não sei o que seja.
Talvez estas lideranças reflitam um curioso consenso da classe médica. Não dá para entender o apoio de grande parte dela à joia do nosso ex-presidente. Afinal, se você faz medicina, o mínimo que se espera é a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de perceber como minimizar o sofrimento alheio. O nosso ex-presidente pode ter qualidades - lamento não percebê-las -, mas empatia seguramente não é uma delas
Uma possível explicação poderia ser a ojeriza ao comunismo que tantos colegas carregam, outro negócio que também não entendo. O tal do comunismo sumiu do mapa desde o desmanche da União Soviética, sobrando apenas na Coreia do Norte, uma ditadura hereditária comunista, por mais contraditório que isto seja, em Cuba e talvez na Nicarágua, que mais parece uma velha ditadura latino-americana que ideologicamente ligada aos ditados de Marx. Tem a China, que é seguramente um sistema capitalista de estado, não comunista, e que não parece ter a menor vontade de exportar seu modelo por aí. O risco de o Brasil virar comunista me parece inferior ao remoto risco de o Brasil dar certo...
Dá para mudar? E mais que isso, vale a pena tentar mudar, por exemplo, o CFM? O dito é eleito por um sistema peculiar: cada conselho regional escolhe dois representantes. Ou seja, São Paulo com 500.000 médicos tem o mesmo peso de Roraima com 5000. Lembra o famoso colégio eleitoral norte-americano. O interesse dos médicos em geral com os conselhos regionais não é enorme: votam nas eleições deste porque é obrigatório, e usam os serviços cartoriais e mais alguma coisa dos mesmos. O interesse nos debates e elaborações do Conselho Federal são mínimos.
Não tenho sugestões para melhorar este estado de coisas. A não ser o que a classe tem feito, fãs do Jair e do Lula, ou seja, ignorar solenemente o que estes paredros fazem.
Sobre Jacyr Pasternak
Atualmente integrante do Laboratório Clínico do Hospital Albert Einstein - Sessão de microbiologia, Jacyr Pasternak é médico formado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É especialista em hematologia e infectologia, doutorado, em 1978, na UNICAMP, fellowship no MDAnderson Hospital, University of Texas Câncer Center, 1980 e 1981. Durante sua trajetória, ocupou vários cargos em serviços públicos, incluindo o de diretor do Hospital do Instituto de Assistência ao Servidor Público Estadual. Atua como médico no Hospital Albert Einstein há mais de 35 anos. Viveu duas pandemias de gripe e a pandemia do HIV – os primeiros casos brasileiros foram percebidos por Jacyr assim que chegou do seu fellowhip em Houston, Texas. É autor de diversos livros na área da medicina. Seu primeiro romance na ficção foi o policial Assassinato na Alameda Campinas, lançado em 2019. Antes, Pasternak escreveu contos médico-policiais a quatro mãos com Vicente Amato Neto.
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Comentários
isso ocorre quando o arcabouço científico, de um modo geral, é submetido às amarras IDEOLÓGICAS político partidárias, e os "cientistas" tornam-se capachos de um "líder", de um "mito"; exemplo claro disso ocorreu na antiga URSS quando a psiquiatria foi utilizada para encarcerar em hospitais os dissidentes do regime comunista........
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