Para o povo, é melhor a Previdência como está
Nas conjuntura atual, de ataque generalizado aos direitos e garantias dos mais pobres, a preservação da Previdência é a opção necessária para se evitar o pior.
Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia - Depois que Bolsonaro foi ao Congresso entregar um projeto de reforma da Previdência, iniciando aquela que será a grande luta política deste período, é bom não esquecer o ponto fundamental: o repúdio da maioria dos brasileiros e brasileiras aos projetos de enfraquecimento e mudança de sistema público de aposentadorias.
Todos sabem que a Previdência precisa ser aperfeiçoada -- mas funciona, é sustentável e deve ser defendida. A população reconhece, pela experiência da vida prática, seu papel como embrião de um estado de bem-estar social e proteção contra a miséria e demais formas indignas de existência trazidas pelo Estado Mínimo que orienta Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes. Esta é a linha divisória.
Num país de renda média e desenvolvimento econômico-social equivalente, a Previdência se alimenta de um sistema de repartição pelo qual as gerações que estão na ativa sustentam o descanso daqueles que se aposentaram -- com a certeza de que poderão usufruir de conforto equivalente quando chegar sua vez.
As mudanças anunciadas ontem mostram a vontade de dificultar o acesso às aposentadorias. Exemplo: se o projeto for aprovado, o tempo de contribuição para uma aposentadoria integral, que hoje é de 35 anos, sobe para 40. A idade mínima, que não existe, torna-se de 62 anos para as mulheres, e 65 para homens. O tempo mínimo de contribuição, que permite aposentar-se com 60% do valor integral, hoje é de 15 anos, sobe para 20. Os trabalhadores rurais, reconhecidamente mais vulneráveis, aposentam-se com 15 anos de contribuição. A proposta é elevar a exigência para 20 anos. Há outras mudanças, e até presentes gratuitos para o andar superior da pirâmide. Uma delas é a ideia de dispensar as empresas de pagar o FGTS para empregados aposentados e de pagar a multa de 40% em caso de demissão. A medida nada tem a ver com aposentadorias -- apenas coloca mais dinheiro no bolso do patronato.
O principal entrave à ampliação da Previdência, possibilidade que interessa a maioria dos brasileiros e brasileiras, segue sem resposta, pois envolve enfrentar o setor privado. O país tem uma imensa parcela de homens e mulheres excluídos do sistema em função de um amplo segmento da economia que é herdeiro de uma selvageria social que tem conexão direta com nossa cultura escravocrata. São empresas que não registram seus funcionários, ou deixam de repassar contribuições por anos a fio e, com a vista grossa de autoridades, acumulam dúvidas milionárias, prejudicando milhões de trabalhadores que serão impedidos de levar uma existência autônoma na velhice, para depender do auxílio de parentes ou de caridade pública.
Um ponto explosivo do debate, que diz respeito aos militares, à cúpula do Judiciário e da alta burocracia do Estado, setores que dispõem de um regime à parte, está longe de ser resolvido. Muitas questões foram deixadas de lado e devem ser debatidas mais tarde. A explicação teórica é que não convém misturar sistemas diferentes. A reforma anunciada ontem envolve trabalhadores do setor privado, enquanto militares e altos funcionários pertencem ao setor público. O efeito prático e político dessa decisão é obvio: irá diminuir a indignação inevitável da maioria de brasileiros e brasileiras chamados a fazer sacrifícios que não serão exigidos de camadas reconhecidamente privilegiadas.
Projeções demográficas que apontam para o envelhecimento da população costumam ser apresentadas como justificativa para a reforma da previdência. Na verdade, este argumento é uma nova versão de um truque elementar: oferecer ares científicos para um debate que envolvem escolhas políticas.
A construção de sistemas de aposentadoria marca a história do capitalismo como uma resposta necessária a luta dos trabalhadores pelo reconhecimento de seus direitos e sua dignidade, que ajudou a criar sociedades menos desiguais.
Em 1890, quando a Alemanha construiu o primeiro sistema público de aposentadorias conhecido, a expectativa de vida da população era de 45 anos.
No início do século XXI já se aproxima dos 80 e ninguém acha que tornou-se inviável por essa razão. Até hoje, a proteção à velhice é um dos pilares do bem-estar do país e ninguém fala em mudanças.
No Brasil, a expectativa de vida levou cem anos para crescer 40 anos.
Numa decisão que o projeto pretende preservar nos pontos essenciais, cabe reconhecer um aspecto essencial. O regime geral da previdência construiu um sistema que, reservando um teto de R$ 5839,45 como valor máximo e o salário mínimo de consegue manter uma contabilidade equilibrada num dos países mais desiguais do planeta. O patamar de cima contribui para minorar o sofrimento da turma de baixo.
O problema é a demografia?
É a política, sabemos todos.
Ao garantir um patamar mínimo para todos, a previdência funciona como um sistema de distribuição de renda considerado inaceitável pelo empresariado brasileiro.
Enquanto cada trabalhador contribui com aproximadamente 8% e 11% de seu salário de contribuição para a Previdência, a fatia das empresas chega a 20% da folha. Este é ponto em disputa, a raiz da guerra. O sistema de capitalização individual é o verdadeiro objetivo estratégico da reforma, introduzida no Chile durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Sua finalidade é que quebrar a redistribuição pela raiz, no mesmo movimento de eliminação da legislação trabalhista, que se planeja substituir por um regime no qual cada trabalhador é forçado a negociar individualmente suas condições de trabalho com a empresa. Previdência individual, negociação individual: é este o jogo.
Todos sabemos que a capitalização individual não irá funcionar, como se provou no Chile, onde é chamada de Fábrica de Pobres. Vivemos num onde a maioria da população já gasta os rendimentos com a conta do fim de mês e não tem a menor condição de poupar para o futuro. Isso não importa, porém.
O que importa para Bolsonaro, Guedes & amigos é cortar a transferência de recursos, calculada R$ 176,8 bilhões por ano, numa conta que chega ao bolso dos trabalhadores já velhinhos. Este é seu compromisso. Imagine a festa que uma fortuna desse tamanho irá permitir ao cassino financeiro.
Este é o debate a partir de ontem. Nas conjuntura atual, de ataque generalizado aos direitos e garantias dos mais pobres, a preservação da Previdência é a opção necessária para se evitar o pior.
As cenas de ontem no Congresso servem de advertência sobre o ambiente político. O laranjal do PSL abriu um ambiente de desgaste e desmoralização do governo Bolsonaro e seus aliados, incumbidos de levar a reforma adiante. A reforma da Previdência de Temer acabou assim, com a denúncia de Joesley Batista.
Ontem, no Congresso, Bolsonaro chegou a dizer que a reforma irá "salvar" o país. Imagina que poderá salvá-lo, na verdade.
Empenhada de corpo e alma na reforma da Previdência, a TV Globo deve garantir ao tema um tratamento generoso que não ofereceu na laranjada do PSL.
Alguma dúvida?
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
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