Para onde irão os sectários?
A necessária e provável alternância de poder deverá provocar nesse eleitorado um colapso de realidade
Ao reler as Primeiras Palavras, escritas como uma introdução à Pedagogia do Oprimido, por Paulo Freire, em 1968, durante um período de exílio no Chile, reconheço neste pequeno trecho do livro questões atuais para o debate político e existencial do Brasil.
Freire em sua dialética contrapõe o sectarismo à radicalidade diante dos processos históricos. Para ele é o sectarismo um posicionamento fechado, castrado e que se nutre do fanatismo. O sectário opera na irracionalidade e transforma a realidade numa falsidade que não pode ser mudada. Nesse sentido vive da própria certeza e da sua verdade, sempre operada em bases falsas e idolátricas, muito parecido com o bolsonarismo desses tempos.
No contraponto, a radicalidade, no sentido de ir às raízes, é criadora. Opera nas incertezas, no processo do diálogo e por isso é crítica da realidade e libertadora.
Pensando para o tempo presente, essas duas formas de encarar o mundo estão em confronto no processo eleitoral brasileiro. E a opção sectária é a oposta do atual projeto de poder em exercício e pelo qual trinta porcento do eleitoral vai lutar fanaticamente, pois não suportam a mudança, a alternância; a democracia.
O que o sectário não percebe, dada a alienação em que está mergulhado, é que a realidade que ele entende como imutável não é gestada com a participação dele. Mal sabe ele, que essa realidade foi dada por organismos poderosos que dependem dessa imutabilidade para que não se questione o sistema econômico que representam e a desigualdade social da qual se alimentam.
Diante da possível vitória de um projeto de governo progressista, capitaneado por Lula, em 02 de outubro (tomara!) ou no final do mesmo mês, propomos uma pergunta válida: Para onde irão os sectários?
Conjecturando, a necessária e provável alternância de poder deverá provocar nesse eleitorado um colapso de realidade. Acredito que serão obrigados a olhar para uma realidade radical, fincada no chão da vida concreta. Talvez comecem a se dar conta do preço das coisas no supermercado, da precarização da vida, dos ratos em que se tornaram seguindo um péssimo flautista encantador (fetichista) que os lançaram num longo abismo existencial.
Eu desejo que se deprimam, no sentido de que forças possam obrigá-los a olhar para a própria realidade e existência, e talvez restem a eles um projeto de recuperação de humanidade perdida. Resta-nos construir alternativas pedagógicas para esse processo para que essa tragédia ou farsa não se repita.
Concluo expressando um desejo, (que ao contrário do risco do sectarismo, possível em progressistas e conservadores) que os radicais possam, com o novo governo, voltar as energias, olhares e ações para as raízes, para o povo simples e esquecido muitas vezes pelos projetos políticos.
Márcio Dionizio Inácio
Mestre em Psicologia social pela USP, trabalhador do SUS em Campinas, coautor de Clínica e (a)normalidade: interpelações pandêmicas e Assistência Social e Psicologia: (des)encontros possíveis
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