PFDC aponta ilegalidades e inconstitucionalidades na atual política nacional de saúde mental

Nota técnica destaca descumprimento da Lei 10.216/2001 e de outros compromissos assumidos pelo Estado brasileiro. Documento foi encaminhado aos ministros da Saúde, da Justiça e da Segurança e Cidadania.

MPF/Imagem: PFDC
Publicada em 29 de março de 2019 às 15:19
PFDC aponta ilegalidades e inconstitucionalidades na atual política nacional de saúde mental

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, se soma à mobilização que movimentos, coletivos e organizações de defesa da saúde promovem nesta sexta-feira (29), com o “Abraço à Luta Antimanicomial”.

Como parte dos esforços para assegurar o direito à saúde mental na perspectiva da dignidade humana, a Procuradoria encaminhou hoje aos ministérios da Saúde, da Justiça e da Segurança Pública e Cidadania Nota Técnica na qual busca explicitar premissas fáticas e jurídicas que apontam para a ilegalidade e a inconstitucionalidade da atual política de saúde mental no Brasil.

Segundo o órgão do Ministério Público Federal, alterações promovidas nessa política nacional violam preceitos e garantias estabelecidos pela Lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/2001), pela Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) e pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – ratificada pelo Brasil em 2008, com status de emenda constitucional.

Esse arcabouço normativo tem como centralidade a dignidade da pessoa com transtorno mental e a sua condição de sujeito de direito. A Lei 10.216/2001 assegura a essa população o direito a ser tratada com humanidade e respeito, devendo ser protegida contra toda forma de abuso e exploração. A legislação também estabelece que as políticas de cuidado em saúde mental devem ser realizadas pelos meios menos invasivos possíveis e, preferencialmente, em serviços comunitários.

A chamada Lei da Reforma Psiquiátrica também veda a internação em estabelecimentos com características asilares, onde podem ficar impedidas de convívio social por anos, e até décadas – como é o caso de manicômios, hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas. De acordo com a legislação, esses espaços devem ser substituídos por serviços de saúde territorializados, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), as residências terapêuticas e os leitos psiquiátricos em hospitais gerais.

“Assim como a Lei 10.216/2001, a Lei Brasileira de Inclusão é atravessada pelas noções de autonomia e participação das pessoas com deficiência – inclusive pessoas com transtornos mentais. Do mesmo modo, a Convenção sobre Direitos da Pessoa com Deficiência convoca a sociedade ao exercício da inclusão e reafirma os ganhos sociais promovidos pela diversidade. O que se estabelece, portanto, é um novo modelo: não asilar e comprometer a sociedade e o poder público com um regime de direitos”.

Retrocessos – No documento enviado aos três ministérios, a Procuradoria destaca que a atual política nacional de saúde mental tem buscado retomar a lógica ultrapassada da institucionalização, por meio do financiamento de leitos psiquiátricos e de comunidades terapêuticas, entre outras medidas. O foco está na Resolução nº 32, de 14 de dezembro de 2017, na Portaria n° 3.588, de 21 de dezembro de 2017, e na Portaria Interministerial n° 2, de 21 de dezembro de 2017.

Essas normativas dão destaque a hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, que – por terem como pressuposto o isolamento do indivíduo em internação de longa duração, retirando do convívio familiar e social – violam o direito à liberdade, à vida em comunidade e à inclusão, garantidos pela legislação brasileira e outros compromissos internacionais.

“Embora, em princípio, sejam aparentemente anódinas, essas normativas representam tentativas de retorno ao modelo asilar, com todas as suas implicações nos direitos fundamentais da pessoa com transtornos mentais”, aponta o texto.

Diante dessas violações, a PFDC sugere ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Justiça e ao Ministério da Segurança Pública e Cidadania a revogação desses atos. No documento, a Procuradoria destaca que o Supremo Tribunal Federal conta com jurisprudência sobre o chamado “abuso de poder” normativo, que busca conter eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público. O entendimento é de que o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar.

“Abraço à Luta Antimanicomial” – Nesta sexta-feira, entidades, coletivos e organizações em defesa do direito à saúde convocaram a sociedade a dar um abraço simbólico da luta antimanicomial em dispositivos de saúde, instituições públicas, casas ou praças.  A mobilização busca fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), criada para garantir a articulação e integração dos pontos de atenção das redes de saúde em todo o território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às urgências.

Com atuação há mais de 30 anos, o movimento da luta antimanicomial – que reúne profissionais de saúde, pacientes, familiares e ativistas de direitos humanos – foi responsável por impulsionar as políticas públicas que transformaram o modelo de atenção à saúde mental no Brasil. O marco está na instituição da Lei da Reforma Psquiátrica e na inclusão de serviços alternativos aos hospitais psiquiátricos, priorizando o Sistema Único de Saúde (SUS).

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