PGR defende inconstitucionalidade de norma que veda uso de videoconferência em audiências de custódia

Para Augusto Aras, impedir de forma absoluta uso da solução virtual prejudica celeridade processual e garantia dos direitos humanos

MPF/Foto: Leobark/Comunicação/MPF
Publicada em 18 de agosto de 2023 às 11:22
PGR defende inconstitucionalidade de norma que veda uso de videoconferência em audiências de custódia

O Ministério Público Federal (MPF) defende, em parecer enviado nesta quinta-feira (17) ao Supremo Tribunal Federal (STF), a inconstitucionalidade de norma do Código de Processo Penal (CPP) que veda o uso de videoconferência na realização de audiências de custódia. Para o órgão, a solução tecnológica é importante ferramenta para que o Brasil supere a “cultura do encarceramento”, corroborando com a celeridade processual e a promoção dos direitos humanos. A manifestação foi na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6.841/DF, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

A entidade pede ao STF que declare inconstitucional o trecho final do parágrafo 1º do artigo 3º-B do CPP, que traz essa proibição. A regra foi inserida na legislação pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) e, embora tenha sido vetada pela Presidência da República, acabou sendo mantida pelo Congresso Nacional. Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, a vedação absoluta ao uso de videoconferências em audiências de custódia contraria o preceito constitucional de celeridade e eficácia da prestação da justiça.

Além disso, o dispositivo desconsidera o compromisso internacional firmado pelo Brasil de efetivar direitos humanos, considerando que parte significativa do encarceramento no país é de presos provisórios, sem culpa formada nem condenação definitiva. A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que integram o ordenamento jurídico brasileiro desde 1992, preveem que o preso deve ser conduzido “sem demora” à autoridade judicial, de forma a quebrar a cultura do encarceramento.

A audiência de custódia é a apreciação imediata da prisão – no prazo de 24 horas - por uma autoridade judicial, que tem por objetivo resguardar a integridade física e moral dos indivíduos, coibindo a tortura e consolidando o acesso à Justiça, ao devido processo legal e à ampla defesa. O procedimento é regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde 2015, e foi incluído no Código de Processo Penal, em 2019, pelo Pacote Anticrime, no intuito de impedir prisões desnecessárias.

Para o procurador-geral da República, o uso da videoconferência vem auxiliar o cumprimento dessa medida, superando as dimensões continentais do país, bem como a desproporção entre o número de habitantes e de membros do Ministério Público e do Poder Judiciário. Ele lembra que a possibilidade de utilizar a tecnologia, de forma excepcional, para interrogar os réus está prevista no Código de Processo Penal desde 2009, mediante decisão judicial fundamentando essa escolha. Em 2020, o CNJ regulamentou o uso de videoconferências em audiências de custódia, quando não for possível a realização, em 24 horas, de forma presencial.

A Resolução CNJ n. 329/2020 trouxe, ainda, parâmetros objetivos e obrigatórios para o uso excepcional da tecnologia, como ampliação da captação de imagens em tempo real, anterior laudo de corpo de delito, garantia de privacidade e de entrevista com defensor ou advogado, entre outros. Segundo o PGR, o objetivo da norma não foi extinguir a audiência de custódia presencial, mas abrir a possibilidade para o uso da tecnologia, quando inviável o contato físico entre o preso e a autoridade judicial, no prazo estipulado pela legislação.

“A utilização de videoconferência não significa retrocesso, e sim solução tecnológica apta a corroborar a prestação jurisdicional célere e desburocratizada, em atenção aos direitos humanos”, afirma o PGR no parecer. Segundo ele, a vedação absoluta da solução tecnológica pode gerar danos ainda maiores, como a não realização da audiência e o encarceramento desnecessário. Augusto Aras pondera, ainda, que a regra afronta o poder regulamentar do CNJ e a autonomia administrativa do Poder Judiciário, a quem cabe equalizar recursos humanos e financeiros visando à adequada prestação jurisdicional.

Por isso, o procurador-geral entende ser constitucional a realização de audiências de custódia por videoconferência em hipóteses excepcionais devidamente fundamentadas, desde que regulamentadas e supervisionadas pelos respectivos órgãos de controle interno e externo, em atenção à autonomia administrativa e financeira tanto do Poder Judiciário quanto do Ministério Público.

Veto presidencial – Embora defenda o provimento da ADI, na manifestação, o PGR afasta os argumentos apresentados pela AMB quanto à alegada inconstitucionalidade na decisão do Congresso em derrubar o veto presidencial e à intervenção na competência dos tribunais para regulamentar a realização de audiências de custódia por videoconferência. Segundo ele, cabe exclusivamente à União a atribuição de propor leis sobre o uso de suportes tecnológicos em atos processuais.

Quanto à demora na análise do veto presidencial pelo Congresso Nacional – que levou mais de um ano – Aras destaca que não há na Constituição Federal norma que obrigue o Legislativo a adotar uma ordem cronológica na apreciação desses vetos. Ainda que a Carta Magna preveja o trancamento da pauta do Congresso, para forçar a apreciação das negativas presidenciais em tempo razoável, a valoração do nível de urgência dos vetos insere-se no poder de agenda da Casa Legislativa e no juízo político próprio dessa função.

Íntegra da manifestação na ADI 6.841/DF

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