Prendam a polícia!

É inadmissível que sigamos naturalizando o comportamento criminoso de meliantes travestidos de agentes da segurança pública, diz Ricardo Nêggo Tom

Fonte: Ricardo Nêggo Tom - Publicada em 09 de dezembro de 2024 às 13:51

Prendam a polícia!

Abordagem da Polícia Militar (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Como já cantou os Titãs na música “Polícia”, uma das faixas do álbum “Cabeça Dinossauro", lançado em 1986, “Polícia para quem precisa. Polícia para quem precisa de Polícia.” Hoje, em 2024, em face de tantos acontecimentos envolvendo abuso de autoridade e violação de direitos humanos por parte de policiais, podemos parafrasear a canção e dizer que a Polícia é quem está precisando de Polícia. Dizem que ela existe para nos proteger, mas tal função parece ter sido substituída pelo ódio contra o cidadão, o que tem feito com que policiais se deixem flagrar, sem o menor pudor ou constrangimento, cometendo crimes sob a égide do caráter heróico que alguns lhes atribui.

Homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, portadores de deficiência, não importa a idade ou a limitação que o indivíduo possua. Qualquer um pode ser alvo do cassetete ou do revólver de um agente da segurança pública do Estado burguês. Qualquer um que seja preto, pobre e periférico, é claro. Porque em Alphaville e no Leblon, essa mesma polícia não ousa agir da mesma forma com a branquitude que predomina no local. Alguém um dia disse que “a farda é uma jaula onde só cabe uma animal”, e eu achava ofensivo, exagerado, desmedido. Porém, após presenciar inúmeras situações onde a ausência de dignidade, caráter e humanidade pontuava as ações de policiais, cheguei à conclusão que a segurança pública está, de fato, entregue às feras enjauladas em fardas que não lhes cabem mais.

Estranhamente, o recrudescimento do comportamento violento da polícia brasileira agrada a boa parte da população. Não é difícil presenciarmos menções de louvor sendo feitas a agentes que estão usurpando a sua competência e submetendo cidadãos a um estado policial opressor e assassino. Talvez esses entusiastas do banditismo policialesco ainda não tenham sido vítimas dos erros cometidos por um policial sob forte estado de emoção. Como o PM que atirou um jovem de cima de uma ponte com mais de 3 metros de altura, e ainda impediu que populares o socorressem quando ele corria o risco de se afogar no rio em que foi atirado. Pode ser que a mãe ou avó de um desses cidadãos de bem que idolatram e validam o desequilíbrio de policiais em serviço, ainda não tenha sido agredida com chutes, pontapés e tenha ficado com o rosto ensanguentado em função do estrito cumprimento do dever de um policial que agride a uma idosa de 65 anos de idade, e dá a ela voz de prisão, quando ele é quem deveria ser preso. Não sem antes ser expulso sumariamente da instituição.

É assustador o aumento do número de meliantes travestidos de agentes da segurança pública. Será que aboliram o famoso teste psicotécnico para o ingresso na Polícia Militar? Ou será que o critério para aprovação passou a ser quanto mais desequilibrado melhor? Desde quando a “gloriosa” policia imperial de Dom João VI passou a recrutar delinquentes para as suas fileiras? Uma polícia que tem Tiradentes como patrono, por causa de sua luta pela liberdade e pelos valores éticos e morais da sociedade. Uma Polícia que diariamente está enforcando Joaquins e Josés da Silva, sem a menor ética e o menor senso de moralidade e decência. Obviamente que uma instituição forjada sob um regime escravocrata com a missão de proteger os bens da coroa portuguesa e manter os pretos escravizados sob controle, não poderia evoluir para uma polícia humanizada e cidadã, sem que suas raízes históricas fossem desconstruídas.

Os resquícios da ditadura militar são visíveis no modus operandi policial, e só nos livraremos dessa praga ideológica quando esse modelo de polícia fascista e opressora da população for extinguido. No mesmo período em que o estado de exceção foi decretado, surge o Esquadrão Le Cocq, uma organização paramilitar criada por policiais no Rio de Janeiro, em 1965, com forte atuação nas décadas de 1960, 1970 e 1980, sendo extinta por decisão da justiça. Considerado o primeiro grupo de extermínio do país, a organização foi criada, pasmem, com fins “filantrópicos”, sob a denominação de Associação Filantrópica Scuderie Detetive Le Cocq, para vingar a morte do policial civil  Milton Le Cocq d’Oliveira, conhecido detetive que fez parte da segurança pessoal do presidente Getúlio Vargas. Seus integrantes distribuíram panfletos nas ruas incentivando a população a utilizar o “disque- denúncia” e a colaborar com o trabalho da polícia.

Entre os “doze homens de ouro”, como eram chamados os líderes do esquadrão, estava o Delegado José Guilherme Godinho, mais conhecido como Sivuca, o criador do slogan “Bandido bom é bandido morto”, e que se elegeu Deputado Estadual em 1986, estampando nos postes do centro da cidade do Rio de Janeiro cartazes com sua frase de efeito. A “filantropia” do Esquadrão Le Cocq consistia numa ação para “limpar” a cidade e eliminar criminosos, travestis e moradores de rua. Virtude esta que se espalhou como metástase pelas polícias de todo o Brasil, resultando no que estamos presenciando nos dias atuais com uma polícia agindo de forma mais criminosa do que os criminosos que ela pretende abater. Tal histórico ostentado com orgulho pelas polícias do país, deveria nos fazer ampliar o debate sobre a segurança pública, com proposições que visassem uma reforma geral e irrestrita nas forças de segurança do Estado burguês brasileiro. A começar pela desmilitarização, passando por um processo civilizatório e de humanização dos agentes.

Uma sociedade dita civilizada não pode naturalizar os absurdos que estão acontecendo e escalando a cada dia, sob a autoridade de policiais que se julgam os donos da lei e do direito de agirem como bem entenderem. Esses agentes precisam ser colocados em seus devidos lugares e lembrados de que são servidores públicos, pagos com o dinheiro da população, e que não podem continuar agindo como Super Nannys fascistas na pretensiosa missão de educar a população na base da porrada. Até porque, tais policiais não possuem educação suficiente para exigirem respeito e obediência da população. Aliás, outra questão a ser revista no que se refere ao poder de um policial, é a exigência legal de obediência e o conceito de desacato à autoridade. Quem determina o que é desacato? A lei ou a jurisprudência pessoal dos agentes? Se o cidadão for abordado de forma desrespeitosa, e exigir que o policial o trate com respeito, ele pode ser enquadrado nos crimes de desobediência e desacato. Quando ele apenas exige o seu direito a ser respeitado durante uma abordagem. Mesmo estando correto em sua reivindicação, a fé pública (outro absurdo constitucional) contida na palavra de um policial irá prevalecer.

Como diria Gabriel, o pensador, “até quando você vai ficar levando porrada? Até quando vai ficar sem fazer nada? Até quando você vai ficar de saco de pancadas”, de uma polícia cada vez mais abusiva, violenta, fascista, desumana e criminosa? Que show de Estado é esse, que a cada minuto impõe a violência policial para controle da população mais pobre e mais preta do país? E por que um governo federal de esquerda não se posiciona de forma veemente contra essa nazificação das forças policiais do país? Mesmo sabendo que a segurança pública é de competência dos estados, o presidente Lula, assim como a ministra dos Direitos Humanos, a ministra da Igualdade Racial e o ministro da Justiça, precisa vir a público repudiar essas ações absurdas e criminosas. Tal silêncio pode soar como omissão ou cumplicidade. O ódio externado por policiais contra a população, é apenas um recorte dos males que o capitalismo selvagem produz na sociedade. Um sistema que não reconhece como seres humanos quem não tem dinheiro e a cor de pele que sugere quem possa ter.

Prendam a polícia! Antes que ela extermine a todos nós! 

Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

225 artigos

Prendam a polícia!

É inadmissível que sigamos naturalizando o comportamento criminoso de meliantes travestidos de agentes da segurança pública, diz Ricardo Nêggo Tom

Ricardo Nêggo Tom
Publicada em 09 de dezembro de 2024 às 13:51
Prendam a polícia!

Abordagem da Polícia Militar (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Como já cantou os Titãs na música “Polícia”, uma das faixas do álbum “Cabeça Dinossauro", lançado em 1986, “Polícia para quem precisa. Polícia para quem precisa de Polícia.” Hoje, em 2024, em face de tantos acontecimentos envolvendo abuso de autoridade e violação de direitos humanos por parte de policiais, podemos parafrasear a canção e dizer que a Polícia é quem está precisando de Polícia. Dizem que ela existe para nos proteger, mas tal função parece ter sido substituída pelo ódio contra o cidadão, o que tem feito com que policiais se deixem flagrar, sem o menor pudor ou constrangimento, cometendo crimes sob a égide do caráter heróico que alguns lhes atribui.

Homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, portadores de deficiência, não importa a idade ou a limitação que o indivíduo possua. Qualquer um pode ser alvo do cassetete ou do revólver de um agente da segurança pública do Estado burguês. Qualquer um que seja preto, pobre e periférico, é claro. Porque em Alphaville e no Leblon, essa mesma polícia não ousa agir da mesma forma com a branquitude que predomina no local. Alguém um dia disse que “a farda é uma jaula onde só cabe uma animal”, e eu achava ofensivo, exagerado, desmedido. Porém, após presenciar inúmeras situações onde a ausência de dignidade, caráter e humanidade pontuava as ações de policiais, cheguei à conclusão que a segurança pública está, de fato, entregue às feras enjauladas em fardas que não lhes cabem mais.

Estranhamente, o recrudescimento do comportamento violento da polícia brasileira agrada a boa parte da população. Não é difícil presenciarmos menções de louvor sendo feitas a agentes que estão usurpando a sua competência e submetendo cidadãos a um estado policial opressor e assassino. Talvez esses entusiastas do banditismo policialesco ainda não tenham sido vítimas dos erros cometidos por um policial sob forte estado de emoção. Como o PM que atirou um jovem de cima de uma ponte com mais de 3 metros de altura, e ainda impediu que populares o socorressem quando ele corria o risco de se afogar no rio em que foi atirado. Pode ser que a mãe ou avó de um desses cidadãos de bem que idolatram e validam o desequilíbrio de policiais em serviço, ainda não tenha sido agredida com chutes, pontapés e tenha ficado com o rosto ensanguentado em função do estrito cumprimento do dever de um policial que agride a uma idosa de 65 anos de idade, e dá a ela voz de prisão, quando ele é quem deveria ser preso. Não sem antes ser expulso sumariamente da instituição.

É assustador o aumento do número de meliantes travestidos de agentes da segurança pública. Será que aboliram o famoso teste psicotécnico para o ingresso na Polícia Militar? Ou será que o critério para aprovação passou a ser quanto mais desequilibrado melhor? Desde quando a “gloriosa” policia imperial de Dom João VI passou a recrutar delinquentes para as suas fileiras? Uma polícia que tem Tiradentes como patrono, por causa de sua luta pela liberdade e pelos valores éticos e morais da sociedade. Uma Polícia que diariamente está enforcando Joaquins e Josés da Silva, sem a menor ética e o menor senso de moralidade e decência. Obviamente que uma instituição forjada sob um regime escravocrata com a missão de proteger os bens da coroa portuguesa e manter os pretos escravizados sob controle, não poderia evoluir para uma polícia humanizada e cidadã, sem que suas raízes históricas fossem desconstruídas.

Os resquícios da ditadura militar são visíveis no modus operandi policial, e só nos livraremos dessa praga ideológica quando esse modelo de polícia fascista e opressora da população for extinguido. No mesmo período em que o estado de exceção foi decretado, surge o Esquadrão Le Cocq, uma organização paramilitar criada por policiais no Rio de Janeiro, em 1965, com forte atuação nas décadas de 1960, 1970 e 1980, sendo extinta por decisão da justiça. Considerado o primeiro grupo de extermínio do país, a organização foi criada, pasmem, com fins “filantrópicos”, sob a denominação de Associação Filantrópica Scuderie Detetive Le Cocq, para vingar a morte do policial civil  Milton Le Cocq d’Oliveira, conhecido detetive que fez parte da segurança pessoal do presidente Getúlio Vargas. Seus integrantes distribuíram panfletos nas ruas incentivando a população a utilizar o “disque- denúncia” e a colaborar com o trabalho da polícia.

Entre os “doze homens de ouro”, como eram chamados os líderes do esquadrão, estava o Delegado José Guilherme Godinho, mais conhecido como Sivuca, o criador do slogan “Bandido bom é bandido morto”, e que se elegeu Deputado Estadual em 1986, estampando nos postes do centro da cidade do Rio de Janeiro cartazes com sua frase de efeito. A “filantropia” do Esquadrão Le Cocq consistia numa ação para “limpar” a cidade e eliminar criminosos, travestis e moradores de rua. Virtude esta que se espalhou como metástase pelas polícias de todo o Brasil, resultando no que estamos presenciando nos dias atuais com uma polícia agindo de forma mais criminosa do que os criminosos que ela pretende abater. Tal histórico ostentado com orgulho pelas polícias do país, deveria nos fazer ampliar o debate sobre a segurança pública, com proposições que visassem uma reforma geral e irrestrita nas forças de segurança do Estado burguês brasileiro. A começar pela desmilitarização, passando por um processo civilizatório e de humanização dos agentes.

Uma sociedade dita civilizada não pode naturalizar os absurdos que estão acontecendo e escalando a cada dia, sob a autoridade de policiais que se julgam os donos da lei e do direito de agirem como bem entenderem. Esses agentes precisam ser colocados em seus devidos lugares e lembrados de que são servidores públicos, pagos com o dinheiro da população, e que não podem continuar agindo como Super Nannys fascistas na pretensiosa missão de educar a população na base da porrada. Até porque, tais policiais não possuem educação suficiente para exigirem respeito e obediência da população. Aliás, outra questão a ser revista no que se refere ao poder de um policial, é a exigência legal de obediência e o conceito de desacato à autoridade. Quem determina o que é desacato? A lei ou a jurisprudência pessoal dos agentes? Se o cidadão for abordado de forma desrespeitosa, e exigir que o policial o trate com respeito, ele pode ser enquadrado nos crimes de desobediência e desacato. Quando ele apenas exige o seu direito a ser respeitado durante uma abordagem. Mesmo estando correto em sua reivindicação, a fé pública (outro absurdo constitucional) contida na palavra de um policial irá prevalecer.

Como diria Gabriel, o pensador, “até quando você vai ficar levando porrada? Até quando vai ficar sem fazer nada? Até quando você vai ficar de saco de pancadas”, de uma polícia cada vez mais abusiva, violenta, fascista, desumana e criminosa? Que show de Estado é esse, que a cada minuto impõe a violência policial para controle da população mais pobre e mais preta do país? E por que um governo federal de esquerda não se posiciona de forma veemente contra essa nazificação das forças policiais do país? Mesmo sabendo que a segurança pública é de competência dos estados, o presidente Lula, assim como a ministra dos Direitos Humanos, a ministra da Igualdade Racial e o ministro da Justiça, precisa vir a público repudiar essas ações absurdas e criminosas. Tal silêncio pode soar como omissão ou cumplicidade. O ódio externado por policiais contra a população, é apenas um recorte dos males que o capitalismo selvagem produz na sociedade. Um sistema que não reconhece como seres humanos quem não tem dinheiro e a cor de pele que sugere quem possa ter.

Prendam a polícia! Antes que ela extermine a todos nós! 

Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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