Reforma tributária: parlamentares criticam "fatiamento" e pedem mais ousadia

Para Marcelo Freixo, a reforma precisa atacar a desigualdade social

Fonte: Agência Senado
Publicada em 05 de agosto de 2020 às 17:00
Reforma tributária: parlamentares criticam

Senadores e deputados questionaram ministro da Economia, Paulo Guedes, em audiência nesta quarta-feira - Reprodução/Tv Senado

Ao entregar ao Congresso o projeto que altera PIS/Pasep e Cofins, o governo apontou que fará a reforma tributária por etapas. Esse “fatiamento” da reforma foi alvo de críticas de parlamentares que consideram fundamental ter conhecimento de toda a proposta do Executivo. Em audiência remota nesta quarta-feira (5) com o ministro da Economia, Paulo Guedes, deputados e senadores da comissão mista que analisa a reforma pediram que o governo apresente uma ideia global da proposta e defenderam medidas mais ousadas. 

— Eu nunca li um livro onde o escritor publicasse um capítulo de vez em quando. É difícil ter uma ideia global. Não consigo saber o que pensa o governo. São tantas as interrogações sobre o que vem depois que eu acho que se o ministro colocasse todas as cartas nas mesa ajudaria muito — disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a proposta pode até ser encaminhada de forma fatiada, mas é preciso que o governo apresente ao menos a espinha dorsal da reforma e garanta que não haja aumento de impostos. 

— Entendo a fragmentação e o fatiamento da reforma do governo federal, mas ela não pode vir de tal forma desidratada que aqueles que num primeiro momento se sentem prejudicados começam a reagir, por não saberem como serão compensados futuramente. Nós precisamos da base, da espinha dorsal do governo federal em relação a essa reforma. Qual é a primeira fase, a segunda fase, a terceira fase e a quarta fase? Qual a reforma do governo federal? — questionou.

Diante da manifestação dos parlamentares, o ministro Paulo Guedes apontou, em um primeiro momento, que a ideia de apresentar todas as sugestões do governo de uma vez poderia dificultar o entendimento e gerar mais “barulho”. Mas reconheceu, em um segundo momento da reunião, que é importante dar uma ideia geral sobre a visão do Executivo, "uma introdução do livro".

— Realmente, sem ter visão da floresta ou da sinfonia toda ou pelo menos do capítulo da introdução do livro que indica quais serão os próximos capítulos, isso é verdade. Eu tenho tentado conversar aqui e ali, quando tenho um pouco de tempo, mas nós passamos no governo a maior parte do tempo nos defendendo, em vez de conseguir explicar alguma coisa — afirmou. 

Proposta tímida

Os senadores Zenaide Maia (Pros-RN) e Angelo Coronel (PSD-BA) defenderam uma reforma ampla. Zenaide disse que é preciso “cobrar dos sonegadores e dos grandes devedores”. Para Angelo Coronel, a sugestão do governo é “tímida”. Ele sugeriu a inclusão de outros temas, como legalização dos jogos de azar e combate à pirataria e ao contrabando. 

— Estou achando que a reforma está um pouco tímida. E, no quesito de redução de impostos para as pessoas jurídicas e físicas, eu acho que nós temos que aproveitar esse embalo deste Congresso reformista para aprovar, legalizar os jogos, que são mais R$ 20 bilhões que vão oxigenar a economia; combater a pirataria; e combater o contrabando, o descaminho, porque isso vai gerar outros recursos para a economia — apontou o senador. 

Vanderlan Cardoso (PSD-GO) manifestou preocupação com a proposta apresentada e afirmou que ela não se justifica, se não tiver como fim a redução da carga tributária.

— Nós, brasileiros, pensamos em reduzir carga tributária. Se não vai reduzir a carga, não vejo razão para a reforma. Se a alíquota hoje é de 9,25% e vai passar para 12%, então é aumento de impostos. Não se justifica — ressaltou o senador. 

Já o presidente da comissão, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), avaliou que o foco da reforma deve recair sobre a simplificação dos impostos na base de consumo.

— Nós não aguentamos mais conviver com uma situação tão regressiva. Segundo o Ipea, instituto da mais alta credibilidade do país, a regressividade hoje tributa em 53,9% os que ganham até dois salários mínimos e, no entanto, em 29% os que ganham acima de 30 salários mínimos. Óbvio que penaliza os mais pobres o atual sistema. Como diz o deputado Aguinaldo [Ribeiro, relator da comissão mista], nós queremos fazer essa reforma a mais ampla possível: que ela seja simplificadora, modernizadora, desoneradora e que ela também seja um estímulo à competição. É disso que o Brasil precisa — apontou Roberto Rocha.

Grandes fortunas

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) e os deputados Afonso Florence (PT-BA) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ) foram outros que defenderam uma reforma mais ousada e progressiva, com foco na taxação de grandes fortunas e na tributação de lucros e dividendos, além de um imposto sobre grandes fortunas.

Professor da Fundação Getúlio Vargas e integrante da equipe do governo na reforma tributária, o economista  Isaias Coelho avaliou que a taxação de grandes fortunas é uma ideia “pouco inspirada”.

— Quanto à tributação das grandes fortunas com um tributo em separado, isso deverá ser discutido, creio, pelo Parlamento, no seu momento, mas eu vejo que não é uma das ideias mais inspiradas, dado que esse tipo de imposto, que já foi adotado por mais de 50 países no mundo inteiro, foi eliminado gradativamente e quase não existe mais. Existe hoje só em três países, e assim mesmo como um imposto de nível local. E nós já temos a tributação dos bens imobiliários; nós tributamos pelo IPTU, pelo IPVA e outras formas de tributação que são muito mais objetivas e práticas — argumentou.

Para Marcelo Freixo, a reforma precisa atacar a desigualdade social. 

— Não pode, não dá para um membro da equipe econômica dizer que a gente não pode tributar grandes fortunas porque já temos IPVA e taxação sobre imóvel. Isso não enfrenta a questão da desigualdade social; muito pelo contrário, isso mantém a estrutura da desigualdade social. Quais os países do mundo que não tributam no Imposto de Renda os lucros e dividendos? Isso é uma regra mundial. Isso é básico. Isso já está pronto. Isso não é difícil de fazer. Isso é simples fazer; basta vontade política — defendeu Freixo. 

A senadora Kátia Abreu (PP-TO), por sua vez, considera que tributar serviços que não são enquadrados pelo Simples Nacional como um caminho necessário para aumentar a arrecadação sem impactar os mais pobres.

—  As pessoas mais ricas são as maiores consumidoras de serviços, principalmente os serviços sofisticados. As pessoas pobres consomem muito poucos serviços; são serviços simples, elas consomem muito mais bens, especificamente alimentos e vestuário, e isso é que está carregado de tributo. O serviço que as pessoas mais humildes consomem (por exemplo, corte de cabelo, manicure) são serviços que já estão enquadrados no Simples — ponderou.

Imposto de Renda

O senador Reguffe (Podemos-DF) cobrou a correção dos limites de isenção tabela de Imposto de Renda. Na avaliação dele, a falta de correção representa na prática aumento da carga tributária. Hoje é isento de pagamento de IR quem ganha até R$1.903,98. Se os limites de isenção fossem corrigidos pela inflação, conforme apontou o senador, ficaria isento de pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 3.881,85. Isso vale também para as faixas posteriores: quem ganha R$ 4 mil, que paga hoje R$ 263,87, pagaria R$ 8,88.

—  Nós temos uma defasagem nos limites de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física que é uma coisa estrondosa. De 1996 a 2020, nós temos uma defasagem, tomando como base a inflação do período, de 103,87%, nos limites de isenção da tabela do Imposto de Renda. Quando o governo não corrige os limites de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, o que ele faz é aumentar a carga tributária de forma disfarçada para a população. O que ele faz é com que o assalariado pague mais imposto do que deveria pagar — disse Reguffe. 

O ministro Paulo Guedes concordou com a avaliação do senador, mas apontou “um problema de cultura” que “indexou tudo” ao longo dos anos, em razão da alta inflação. Ele afirmou que cabe à classe política decidir se quer retomar o controle do Orçamento.

— Hoje 96% dos gastos brasileiros não estão sob controle dos senhores. Os senhores foram eleitos e só mandam em 4% dos Orçamento. A inflação fez o Congresso ir se omitindo em relação ao Orçamento. Por um lado é verdade que não podemos ficar tributando de forma oculta, por outro lado não pode cair na armadilha que estamos presos hoje que é indexar tudo.

Segundo Guedes, a correção da tabela está no “espectro da reforma tributária”, mas caberá a deputados e senadores avaliar as prioridades. 

— Está no nosso espectro de reforma tributária, mas é correto fazer uma correção não só do piso, mas de todas as faixas. Se passarmos o piso de R$ 1.900 para R$ 3.000, custa R$ 22 bilhões. Custa 1 Fundeb, e é a classe política que tem que decidir se vai dar dinheiro para o Fundeb, se vai dar para os dois ou se vai aumentar impostos — alertou. 

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