STF e a soberania inegociável: caso Elon Musk e o fim da casa da mãe joana
Supremo indica nova postura diante do vale-tudo dos empresários estrangeiros, inclusive dos que querem derrubar o limite para compra de terras brasileiras
Elon Musk e Alexandre de Moraes (Foto: REUTERS/Adrees Latif | Rosinei Coutinho/SCO/STF)
Um dos maiores méritos da decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre o X e a Starlink foi a ênfase no conceito de soberania. Em outras palavras, o resgate da ideia de que o Brasil não é a casa da mãe joana. Ao justificar seu voto, Moraes salientou que estrangeiro que quer se estabelecer no Brasil tem de respeitar as normas legais.
“Como qualquer entidade privada que exerça sua atividade econômica no território nacional, os provedores de internet devem respeitar e cumprir, de forma efetiva, comandos diretos emitidos pelo Poder Judiciário relativos a fatos ocorridos ou com seus efeitos perenes dentro do território nacional”, afirmou o ministro.
Cármen Lúcia acompanhou o voto de Moraes e propôs uma reflexão: “A Constituição e a legislação brasileira submetem os brasileiros, desobrigando outros que não nacionais que poderiam agir como bem entender, sem regras ou limites legais? Essa é uma questão jurídica ou desborda da questão nuclear do Estado Democrático de Direito?”
A ministra, que presidiu o STF entre 2017 e 2018, defendeu com vigor a soberania do País. “O Brasil não é xepa de ideologias sem ideias de Justiça, onde possam prosperar interesses particulares embrulhados no papel crepom de telas brilhosas sem compromisso com o Direito”. disse.
Flávio Dino foi na mesma direção. “Com a imperativa moldura da soberania, não é possível a uma empresa atuar no território de um país e pretender impor a sua visão sobre quais regras devem ser válidas ou aplicadas”, justificou.
Cristiano Zanin também não deixou margem à dúvida quando a questão é a soberania. “Ninguém pode pretender desenvolver suas atividades no Brasil sem observar as leis e a Constituição Federal”, declarou.
Resultado: 5 a 0.
Sendo uma questão de princípio, e não pessoal com Elon Musk, a Primeira Turma indicou que o STF se inclina para colocar barreiras a todas as organizações estrangeiras que colocam os próprios interesses acima dos do Brasil, protegidos pela legislação.
Tão emblemática quanto o caso do antigo Twitter é a ação que tramita no STF sobre a venda de terras a estrangeiros. Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 342, proposta pela Sociedade Rural Brasileira em 2016.
Na ação, os autores questionam a constitucionalidade da lei 5.709/71, que limita a compra de terras no Brasil por empresas controladas por sócios estrangeiros. Antes de se aposentar, o ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, entendeu que a lei é, sim, constitucional, por assegurar a soberania do Brasil.
O ministro André Mendonça, que assumiu a cadeira de Marco Aurélio, foi além e concedeu liminar para suspender todos os processos judiciais movidos por empresas estrangeiras que queriam comprar terras no Brasil.
Curiosamente, quem se opôs aos votos de Marco Aurélio e também à liminar de André Mendonça foi o ministro Alexandre de Moraes. No caso da liminar, a divergência aberta por ele foi acompanhada por outros quatro ministros.
O resultado da votação foi 5 a 5 - na época do julgamento, em maio de 2023, a cadeira de Ricardo Lewandowski estava vaga. Com o empate, de acordo com o Regimento Interno do STF –, a liminar foi derrubada. O mérito da ação, no entanto, ainda não foi julgado.
Outra curiosidade: a Sociedade Rural Brasileira, formada por proprietários de terras, quer o direito de vender suas áreas para estrangeiros, enquanto a Confederação Brasileira dos Trabalhadores na Agricultura, se posiciona enfaticamente contra.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, diz que a posição do governo Lula é contrária à da Sociedade Rural Brasileira e, por extensão, aos votos de Alexandre de Moraes nesse caso. “A venda de terras a estrangeiros é uma ameaça à soberania do País”, disse Teixeira, em entrevista à TV 247.
Nos tempos de faculdade, no Largo São Francisco (USP), Alexandre de Moraes era conhecido por suas posições mais à direita. Aluno brilhante, foi o primeiro colocado no concurso do Ministério Público de São Paulo, a que renunciaria, alguns anos mais tarde, para assumir a carreira política.
Foi do PFL, renomeado DEM, secretário de Justiça de Geraldo Alckmin no governo do Estado de São Paulo e super secretário de Gilberto Kassab na Prefeitura paulistana. Foi também do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e voltou ao governo Alckmin, como secretário de Segurança Pública, antes de assumir o Ministério da Justiça no governo Temer.
Na época, ele era Alexandre de Moraes. Desde que se destacou na defesa da democracia, como responsável pelo inquérito das milícias digitais e das fake news e, depois, como presidente do TSE, ele se tornou Xandão, na linha de frente do enfrentamento institucional ao movimento golpista da extrema direita liderado por Jair Bolsonaro.
Como Xandão, não lhe cai bem votar a favor das empresas estrangeiras que querem ampliar seu domínio sobre o território brasileiro ou do latifundiários que querem valorizar seu patrimônio com a entrada de dólares, euros ou yuan chinês no mercado fundiário nacional.
A soberania é inegociável, como mostrou a Primeira Turma do STF ao segundo homem mais rico do mundo, Elon Musk.
Joaquim de Carvalho
Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: [email protected]
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