STM condena ex-militares pelo afogamento e morte de três recrutas em Barueri (SP)
O episódio também resultou na lesão corporal de um soldado, que sobreviveu ao afogamento
O plenário do Superior Tribunal Militar (STM) condenou três ex-militares pela morte de três recrutas do 3° Pelotão do 21° Depósito de Suprimentos (DSUP), por afogamento, durante um exercício de instrução do Exército, em Barueri (SP). O episódio também resultou na lesão corporal de um soldado, que sobreviveu ao afogamento.
A morte dos três soldados ocorreu no dia 24 de abril de 2017, por volta das 17h, durante a realização do Exercício de Longa Duração de Instrução Individual Básica, executado nas dependências do 20° Grupo de Artilharia de Campanha Leve (20° GACL), localizado na Estrada de Jandira, km 29, Jardim Belval, na cidade de Barueri (SP).
O exercício incluía diversas atividades, dentre as quais uma "Instrução de Orientação Diurna", na qual os recrutas de cada pelotão deveriam percorrer "pistas" montadas para aquela finalidade específica, nas quais eram colocados "prismas" identificados com o nome da pista, número do ponto, senha do ponto, azimute e distância para o próximo ponto.
O 3° Pelotão do 21°DSUP efetuou a Instrução de Orientação Diurna, sendo dividido em equipes de três ou quatro soldados. As vítimas pertenciam à equipe “Quatro”, que deveria ser direcionada exclusivamente para a Pista Ad Sumus, o que significa dizer que a referida equipe não teve nenhum contato prévio com a pista Empilhadeira, onde ocorreu o afogamento.
A equipe “Quatro” iniciou o percurso da pista “Ad Sumus” às 16h. Por volta das 16h40, os militares chegaram ao término da pista e se apresentaram ao tenente (denunciado), que se encontrava na barraca de apoio à instrução de orientação diurna, instalada ao final da pista, juntamente com um cabo e um soldado, também denunciados. Tendo observado que os soldados haviam deixado de anotar a senha do primeiro ponto da pista e considerando que já se aproximava o horário limite fixado para o término da pista, que era 16h50, o oficial determinou que o grupo se dirigisse para a área das mochilas, localizada a cerca de dez metros do fim da pista, para onde os demais soldados que já haviam concluído a atividade estavam sendo conduzidos.
No entanto, ao constatar que a equipe “Quatro” não havia executado todas as atividades previstas para a atividade, o cabo contrariou a ordem do tenente, determinando que executassem um trecho de outra pista – a “Empilhadeira”. A ideia era percorrê-la a partir do “ponto do charco”, onde, segundo ele, deveriam se molhar para “refrescar a memória”. Este local correspondia a uma área de lamaçal, às margens de um lago existente no local.
Para tanto, o cabo designou um soldado (denunciado) para conduzir a equipe até o “ponto do charco” e lhe indicou vagamente onde o ponto estaria localizado. O soldado conduziu a equipe da região da barraca até a metade do morro e, em seguida, determinou que subissem e seguissem sozinhos. Por iniciativa própria, o soldado determinou aos integrantes que “se molhassem até o pescoço” no “ponto do charco”, retornando “apenas com o gorro seco”.
O grupo não conseguiu identificar onde se encontrava o charco: visualizaram apenas o lago e entenderam que aquele seria o local indicado para se molharem. No entanto, um dos soldados escorregou e foi para a parte mais profunda do lago, já que havia uma queda grande como se fosse um degrau. Seguiu-se, então, uma sucessão de agarrões entre os soldados, que, em desespero generalizado, lutavam para não afundar. Todos os quatros soldados acabaram por submergir, e apenas um deles escapou com vida, tendo sofrido algumas lesões.
Em Audiência de Julgamento, realizada em 29 de janeiro de 2020, o Conselho Especial de Justiça para o Exército da 2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar decidiu nos seguintes termos: o ex-tenente e o ex-cabo foram condenados, por homicídio culposo e lesão culposa, a 2 anos e 15 dias de detenção; o ex-soldado foi condenado, pelos mesmos crimes, a 1 ano, 7 meses e 18 dias de detenção. Dois capitães, também denunciados, foram absolvidos por não existir prova de terem os acusados concorrido para a infração penal. Eles eram, respectivamente, o Oficial de Prevenção de Acidentes na Instrução (OPAI) e o Oficial de Operações (S3), responsável pelo Exercício de Longa Duração.
Recursos ao STM
Nesta segunda-feira (1º), o STM julgou apelações da acusação e também da defesa dos militares condenados. O Ministério Público Militar (MPM) pedia a condenação dos dois capitães absolvidos em primeira instância, bem como a majoração das penas do ex-tenente, do ex-cabo e do ex-soldado.
Segundo o MPM, os capitães seriam “os maiores culpados pela morte de 3 (três) militares do Exército Brasileiro, não apenas pelo fato de sequer estarem presentes no dia do acidente, mas por terem negligenciado com seus respectivos deveres de cuidado desde o momento inicial em que foram designados como OPAI e S3 do exercício”. Uma das falhas apresentadas pelo MPM foi a falta de sinalização sobre o risco representado pelo lago.
Ao julgar o caso, na condição de relatora da apelação, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha afirmou que a ausência de perfeita coordenação/fiscalização hierárquica superior pelos dois oficiais facilitou o clima “antiprofissional” no ambiente da instrução, em especial, por parte do cabo e do soldado denunciados. No entanto, não há, segundo a ministra, nenhuma conexão direta entre a conduta dos dois oficiais e a ocorrência do trote que levou à morte dos soldados. Com base nesse entendimento, a ministra decidiu desclassificar o delito para o de inobservância de lei, regulamento ou instrução (art. 324 do CPM), condenando os capitães à pena de 4 meses de suspensão do exercício do posto, não fazendo jus ao benefício do sursis e assegurado o direito de recorrer em liberdade. Por fim, a ministra declarou a prescrição da pretensão punitiva para os dois oficiais.
Apesar do entendimento da relatora, o plenário seguiu o entendimento do ministro revisor, Lúcio Mário de Barros Góes, que manteve a absolvição dos dois capitães por entender não existirem provas de que os acusados contribuíram diretamente para a ocorrência dos crimes. Segundo o revisor, embora o capitão S3 fosse o responsável, entre outras coisas, por fiscalizar a instrução e zelar pela sua segurança, o oficial não estava no local, no momento do acidente, pelo fato de ter se deslocado para o Hospital Militar de Área de São Paulo para cuidar da transferência de um militar que passou mal durante o exercício.
O ministro revisor lembrou que o capitão S3 deixou em seu lugar um outro capitão, igualmente qualificado, para substituí-lo em suas funções. Citando trechos da sentença que o absolveu, o magistrado destacou que, antes do início dos trabalhos, o oficial já havia alertado os participantes sobre a proibição de trotes, a necessidade de hidratação e a estrita observância das normas de segurança. Além disso, o capitão já havia tomado, previamente, todas as medidas no planejamento e instrução de seus subordinados com relação às medidas necessárias, como o reconhecimento do campo e a indicação dos pontos críticos da instrução. Segundo o ministro, o lago não foi considerado como ponto crítico da atividade porque ele não seria utilizado naquela ocasião.
Sobre o outro capitão, que era Oficial de Prevenção de Acidentes na Instrução (OPAI), o MPM lembrou que este também estava ausente no dia dos fatos em razão de o militar estar atendendo a uma missão de trabalho, no 21° Depósito de Suprimentos, o que teria sido um fator decisivo para o resultado fatal. “Note que as alegações do Órgão Ministerial não foram acolhidas pelo colegiado a quo [primeira instância], que não vislumbrou liame subjetivo nem nexo de causalidade entre a conduta do acusado e o resultado das mortes”, concluiu o revisor.
Com relação aos demais militares denunciados no processo, o plenário seguiu o voto da ministra relatora, que também foi seguido pelo ministro revisor.
Sobre a acusação contra o tenente, a ministra entendeu que não houve relação entre a conduta do oficial e o resultado morte. Segundo ela, o militar ficou “vendido” diante da atitude do cabo, que agiu numa linha diametralmente oposta ao seu comando. A magistrada acrescentou, ainda, que os depoimentos ratificam as declarações do tenente que, em interrogatório, afirmou não ter tido ciência, nem oportunidade de sobrestar a contraordem.
“A ação do cabo em contrariedade direta à legítima ordem do instrutor rompe o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. As evidências demonstram que o tenente, antes do afogamento, não teve mínima ciência da sobreposição de sua ordem pelo cabo. Ora, tal circunstância revela a presença de concausa superveniente e relativamente independente da postura original do tenente”, afirmou a relatora.
Por essa razão, a magistrada acolheu parcialmente o apelo da defesa para reformar a sentença e desclassificou o crime para o de inobservância de lei, regulamento ou instrução (art. 324 do CPM), com pena de detenção por 3 meses. No entanto, foi declarada a extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva.
Já com relação ao ex-cabo e ao ex-soldado, a ministra afirmou que ambos agiram “à revelia da Cadeia de Comando”, e que, aplicando um trote, violaram os princípios da hierarquia e da disciplina, dando causa às mortes e à lesão corporal. Ela lembrou que pelo menos três famílias foram “emocionalmente dilaceradas com a perda de seus entes queridos, o que impõe o dever de justa punição”.
“As consequências do crime são irreparáveis. Deve ser considerada a extensa expectativa de vida que socorria ao Soldado Jonathan Turella Cardoso Allah; ao Soldado Wesley da Hora dos Santos e ao Soldado Victor da Costa Ferreira, os quais, infelizmente, tiveram suas jornadas interrompidas em virtude da aplicação de um trote, por agentes mal-intencionados”, concluiu.
Acolhendo as razões apresentadas pelo MPM, a relatora majorou a pena do ex-cabo e do ex-soldado, ambos sendo condenados, por homicídio culposo, a 2 anos e 8 meses de reclusão, a serem cumpridos em regime prisional inicialmente aberto, sem direito ao sursis e com o direito de recorrer em liberdade. Para ambos os réus, a ministra declarou a prescrição apenas em relação ao crime de lesão corporal.
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