A inacreditável polícia do governador Tarcísio

"O espírito matador precisa ser extirpado das polícias no Brasil"

Fonte: Paulo Henrique Arantes - Publicada em 07 de dezembro de 2024 às 09:24

A inacreditável polícia do governador Tarcísio

A Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, nos últimos dias alvejou um ladrão de pó de café com 11 tiros pelas costas, arremessou um homem de uma ponte, agrediu uma senhora de 63 anos dentro de casa, matou um estudante de medicina e, numa troca de tiros, causou a morte de uma menina de quatro anos.

A truculência e a despreocupação com a vida alheia nada têm a ver com segurança pública, mas constituem o modus operandi de policiais que se acham justiceiros, bem ao estilo dos esquadrões da morte da época da ditadura civil-militar (1964-1985). Fazem o gosto do bolsonarismo, algo nem sequer disfarçado.

Tarcísio de Freitas e seu homem de confiança para esses assuntos, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, já demonstraram apreço zero por uma coisa denominada inteligência policial, qualidade que requer preparo e comprometimento, que custa caro, que não se alcança do dia para a noite, mas que surte efeitos reais e duradouros contra o crime.

Contra o bom-senso e as ciências de combate ao crime, o governador Tarcísio aumentou na canetada, em abril último, o rol de atribuições da Polícia Militar, invadindo espaço de investigação que deveria ser exclusivo da Polícia Civil. Policiais militares não são treinados para investigar e solucionar crimes.

Como escrevemos neste espaço em abril, a Polícia Militar, uniformizada, tem papel fundamental naquilo que se chama genericamente de manutenção da ordem pública, ainda que não hesite em sacar e disparar contra pobres e negros, ao passo que é dócil com delinquentes da alta sociedade. 

O que está acontecendo com a PM paulista? Está realizando investigações criminais por vontade do governador no lugar da Polícia Civil? O governo tem propiciado treinamento adequado para qualificar a tropa para funções que não eram suas? Por que não aprimorar a própria Polícia Civil na função para a qual ela já é afeita e aumentar seus quadros? A violência policial que se vê diariamente está relacionada com o estresse profissional e o acúmulo de funções ou deve-se exclusivamente à linha preconizada pelo ex-Rota Derrite?

Reconhece-se que a existência de duas polícias, como acontece no Brasil, é responsável por essa estrutura caótica, constituindo um incidente histórico que vem desde o começo do Século XX. O que funcionaria na sociedade, afirmou a este jornalista um coronel reformado que pediu anonimato, seria uma polícia única, bem treinada, equipada e remunerada, até porque o policiamento ostensivo e a investigação se interpenetram.

Um alentado artigo publicado na newsletter Fonte Segura, editada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no começo deste ano, demonstrou que a letalidade policial - as operações mata-pobre - ultrapassa fronteiras estaduais. O modus operandi das polícias paulista, na malfadada Operação Verão, que matou 56 pessoas na Baixada Santista em fevereiro último, e mineira, na trágica Chacina de Varginha, em outubro de 2021, é o mesmo.

As práticas foram perfeitamente descritas e relacionadas por Cássio Thyone Almeida de Rosa, ex-presidente e atual membro do Conselho de Administração do FBSP. Ele é perito criminal aposentado e professor da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal.

Revisitemos artigo já publicado neste espaço.

A Operação Verão sofreu denúncias de modificações intencionais nas cenas das mortes e remoção de corpos já em óbito dos locais, descaracterizando-se a cena antes dos exames periciais. Há também informações de coação de profissionais de saúde, segundo Cássio Thyone, que depararam com corpos já sem vida chegando para atendimento em unidades de saúde. Não bastasse, sobram relatos de que policiais militares se negaram a escoltar peritos nos locais em que as mortes aconteceram.

O relatório final da Chacina de Varginha, que envolveu a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Militar de Minas Gerais, por sua vez, deu conta de 26 pessoas mortas, supostamente integrantes de uma quadrilha conhecida como Novo Cangaço. Nenhum policial foi ferido.

Perícia realizada pela Polícia Federal apurou os seguintes fatos relacionados relativos à Chacina de Varginha: alguns tiros atribuídos aos bandidos foram forjados; nenhum dos 26 corpos mortos foi examinado no local; apenas um dos 26 mortos reagiu com tiros à chegada dos policiais; dos 26 mortos, 17 apresentavam ao menos uma lesão póstero-anterior, ou seja, foram baleados pelas costas; algumas vítimas apresentavam sinais de tortura.

“A remoção de corpos em óbito (...), a constatação de disparos forjados, a modificação intencional da cena, com desalinho e adulteração de vestígios, constituem o modus operandi que aproxima Varginha da Operação Verão”, escreveu Cássio Thyone Almeida de Rosa.

O espírito matador precisa ser extirpado das polícias no Brasil. Segurança pública requer rigor no combate ao crime, mas também inteligência investigativa, preparo técnico. Infelizmente, governadores que dizem não estar “nem aí” para dezenas de mortes agem no sentido contrário.

Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/

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A inacreditável polícia do governador Tarcísio

"O espírito matador precisa ser extirpado das polícias no Brasil"

Paulo Henrique Arantes
Publicada em 07 de dezembro de 2024 às 09:24
A inacreditável polícia do governador Tarcísio

A Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, nos últimos dias alvejou um ladrão de pó de café com 11 tiros pelas costas, arremessou um homem de uma ponte, agrediu uma senhora de 63 anos dentro de casa, matou um estudante de medicina e, numa troca de tiros, causou a morte de uma menina de quatro anos.

A truculência e a despreocupação com a vida alheia nada têm a ver com segurança pública, mas constituem o modus operandi de policiais que se acham justiceiros, bem ao estilo dos esquadrões da morte da época da ditadura civil-militar (1964-1985). Fazem o gosto do bolsonarismo, algo nem sequer disfarçado.

Tarcísio de Freitas e seu homem de confiança para esses assuntos, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, já demonstraram apreço zero por uma coisa denominada inteligência policial, qualidade que requer preparo e comprometimento, que custa caro, que não se alcança do dia para a noite, mas que surte efeitos reais e duradouros contra o crime.

Contra o bom-senso e as ciências de combate ao crime, o governador Tarcísio aumentou na canetada, em abril último, o rol de atribuições da Polícia Militar, invadindo espaço de investigação que deveria ser exclusivo da Polícia Civil. Policiais militares não são treinados para investigar e solucionar crimes.

Como escrevemos neste espaço em abril, a Polícia Militar, uniformizada, tem papel fundamental naquilo que se chama genericamente de manutenção da ordem pública, ainda que não hesite em sacar e disparar contra pobres e negros, ao passo que é dócil com delinquentes da alta sociedade. 

O que está acontecendo com a PM paulista? Está realizando investigações criminais por vontade do governador no lugar da Polícia Civil? O governo tem propiciado treinamento adequado para qualificar a tropa para funções que não eram suas? Por que não aprimorar a própria Polícia Civil na função para a qual ela já é afeita e aumentar seus quadros? A violência policial que se vê diariamente está relacionada com o estresse profissional e o acúmulo de funções ou deve-se exclusivamente à linha preconizada pelo ex-Rota Derrite?

Reconhece-se que a existência de duas polícias, como acontece no Brasil, é responsável por essa estrutura caótica, constituindo um incidente histórico que vem desde o começo do Século XX. O que funcionaria na sociedade, afirmou a este jornalista um coronel reformado que pediu anonimato, seria uma polícia única, bem treinada, equipada e remunerada, até porque o policiamento ostensivo e a investigação se interpenetram.

Um alentado artigo publicado na newsletter Fonte Segura, editada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no começo deste ano, demonstrou que a letalidade policial - as operações mata-pobre - ultrapassa fronteiras estaduais. O modus operandi das polícias paulista, na malfadada Operação Verão, que matou 56 pessoas na Baixada Santista em fevereiro último, e mineira, na trágica Chacina de Varginha, em outubro de 2021, é o mesmo.

As práticas foram perfeitamente descritas e relacionadas por Cássio Thyone Almeida de Rosa, ex-presidente e atual membro do Conselho de Administração do FBSP. Ele é perito criminal aposentado e professor da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal.

Revisitemos artigo já publicado neste espaço.

A Operação Verão sofreu denúncias de modificações intencionais nas cenas das mortes e remoção de corpos já em óbito dos locais, descaracterizando-se a cena antes dos exames periciais. Há também informações de coação de profissionais de saúde, segundo Cássio Thyone, que depararam com corpos já sem vida chegando para atendimento em unidades de saúde. Não bastasse, sobram relatos de que policiais militares se negaram a escoltar peritos nos locais em que as mortes aconteceram.

O relatório final da Chacina de Varginha, que envolveu a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Militar de Minas Gerais, por sua vez, deu conta de 26 pessoas mortas, supostamente integrantes de uma quadrilha conhecida como Novo Cangaço. Nenhum policial foi ferido.

Perícia realizada pela Polícia Federal apurou os seguintes fatos relacionados relativos à Chacina de Varginha: alguns tiros atribuídos aos bandidos foram forjados; nenhum dos 26 corpos mortos foi examinado no local; apenas um dos 26 mortos reagiu com tiros à chegada dos policiais; dos 26 mortos, 17 apresentavam ao menos uma lesão póstero-anterior, ou seja, foram baleados pelas costas; algumas vítimas apresentavam sinais de tortura.

“A remoção de corpos em óbito (...), a constatação de disparos forjados, a modificação intencional da cena, com desalinho e adulteração de vestígios, constituem o modus operandi que aproxima Varginha da Operação Verão”, escreveu Cássio Thyone Almeida de Rosa.

O espírito matador precisa ser extirpado das polícias no Brasil. Segurança pública requer rigor no combate ao crime, mas também inteligência investigativa, preparo técnico. Infelizmente, governadores que dizem não estar “nem aí” para dezenas de mortes agem no sentido contrário.

Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/

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Comentários

  • 1
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    patricia 09/12/2024

    nao foi citado o policial baliado que ficou dentro do carro desgovernado pelos bandidos

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