CPI dos atos terroristas na berlinda
'Há o risco de a oposição tomar a iniciativa e acabar convocando a Comissão para evitar a responsabilização do bolsonarismo', escreve Auler
(Foto: Adriano Machado/Reuters)
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na semana passada assistiu sua base política no Senado Federal rachar por conta de uma prosaica disputa pela “liderança da maioria”, tal como noticiou, com exclusividade, na sexta-feira (03/02), no 247, Tereza Cruvinel – Governistas se dividem no Senado – passará nessa semana por outro teste: o debate em torno da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os atos de terrorismo do di\ 8 de janeiro.
O requerimento dessa CPI foi apresentado, nos dias subseqüentes à frustrada tentativa de golpe, por iniciativa da senadora Soraya Thronicke (União – MS). O pedido é para “apurar as responsabilidades dos atos antidemocráticos e terroristas praticados no dia 08 de janeiro de 2023”. Ainda no recesso parlamentar, a senadora amealhou 48 assinaturas, das quais hoje terão validade apenas 35, pois 13 dos signatários perderam o mandato ou se afastaram temporariamente do Senado. Oficialmente, uma CPI pode ser criada a partir da adesão de 27 senadores. O requerimento, portanto, dispõe de oito a mais do que as necessárias.
A CPI, como se sabe, embora tenha recebido amplo apoio da base do governo Lula, é descartada pelo presidente, que teme dividir as atenções do público com as pautas do seu governo. Essa posição, apoiada pelos seus ministros, é contestada por políticos da própria base governista que defendem a investigação pelo Legislativo.
A começar pelos próprios parlamentares que tenham se envolvido na tentativa frustrada do golpe, incentivando, estimulando, financiando ou mesmo participando dos chamados atos antidemocráticos. Mas não só isso. Acham necessário trazer a público e apurar a responsabilidade de todos os envolvidos, independentemente de serem civis ou militares e das posições que ocupem.
Crise militar no colo do Lula
É justamente essa possibilidade que assusta o governo, ainda que não revelem publicamente. Receiam o provável envolvimento de militares da ativa e a convocação de algum deles que direta ou indiretamente haja contribuído com a convocação, apoio ou até com a participação direta possa gerar uma crise:
“Se uma CPI convocar um general do Exército e ele se recusar a ir, estaremos colocando a crise militar no colo do presidente Lula”, advertiu um bem situado secretário da Esplanada dos Ministérios. Ele acrescenta:
“É preciso compreender que a crise não está totalmente superada, o país ainda está dividido. Não há correlação de forças para ninguém, esmagar ninguém. O Lula precisa de estabilidade para poder governar. Quem não compreender isso, não está compreendendo nada”.
Defensor declarado da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), apoiador insuspeito do governo, usa o mesmo argumento da crise ainda não totalmente debelada para justificar sua posição, tal como escreveu no sábado (04/02) na Folha de S. Paulo:
“A história não está condenada a repetir erros. Uma CPI agora é imperiosa para iluminar os porões infectos do golpismo e punir participantes, mandantes, financiadores e estimuladores, estejam nas ruas, nos quartéis, foragidos ou camuflados em palácios ou mandatos. Uma CPI de Estado para rasgar a fantasia de falsos democratas e fazer uma assepsia civilizatória definitiva”. Ele continua:
“Governos abominam CPIs pela subtração das rotinas e eventual deslocamento do eixo de poder. Mas essa comissão contra o terrorismo tem especificidades. Ela não se insere no modelo clássico, antagonizando governo e oposição. É um terceiro e decisivo turno opondo a civilidade e a barbárie, a ordem e o caos, a democracia e o golpismo, a institucionalidade e a milícia. Se a CPI da Covid extirpou o câncer Jair Bolsonaro, essa nova investigação servirá para impedir a metástase.”
Risco de a oposição convocar
Os defensores da CPI destacam ainda a necessidade de se investigar a fundo, de forma pública, o papel dos militares ao longo de todo esse processo de mobilização popular – passando pelos acampamentos nas portas dos quartéis e a insuflação a atos como colocar bombas em caminhões ou queimar veículos e ônibus na noite de Brasília – para a tentativa de golpe. Receiam que se repitam os erros da ditadura, quando a anistia atingiu torturadores e seus defensores, alguns dos quais podem ter se envolvido nesses últimos acontecimentos.
Já os que fecham com a posição de Lula, como é o caso do senador Fabiano Contarato (PT-ES), líder do PT no Senado, alegam que as investigações já estão ocorrendo. Foi o que escreveu no sábado, na Folha de S. Paulo, rebatendo os defensores da investigação, como Calheiros:
“Alinhado ao entendimento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional só se justifica diante de flagrantes crimes do governo resultantes de ação ou omissão, avalio que uma CPI para investigar o terrorismo e os atos antidemocráticos, neste momento, não ajuda o país a se libertar de uma rota suicida que nos empurrou para o abismo nos últimos quatro anos. A CPI não se faz necessária, hoje, porque estamos testemunhando pronta e rigorosa apuração das autoridades públicas federais competentes — como o Executivo federal, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e a Polícia Federal—, não havendo lacuna a ser suprida por inquérito parlamentar”.
Há ainda outro argumento para os que defendem a investigação: o risco de a oposição tomar a iniciativa e comandá-la. Alegam que com os 32 votos dispensados ao senador Rogério Marinho (PL-RN) os bolsonaristas podem acabar convocando a Comissão para evitar a responsabilização do bolsonarismo. Tentariam dominar a narrativa, até mesmo na tentativa insana de buscar responsabilizar o próprio governo pela bandalheira do dia 8 de janeiro.
Validade das assinaturas
Na tentativa de evitar a CPI, o primeiro debate se travará em torno do pedido assinado em janeiro, ou seja, na legislatura passada. No entendimento do senador Jacques Wagner (PT-BA), líder do Governo no Senado, as adesões coletadas não têm mais validade e será preciso fazer nova coleta. Com esse entendimento, evita-se o desgaste de senadores que apóiam o governo terem que retirar o apoio. Eles simplesmente não assinariam um novo pedido.
Tais informações são contestadas pela assessoria da senadora Soraya, a partir de informações da Secretária-Geral da Mesa do Senado. Dizem que, como o requerimento oficialmente ainda não foi lido pelo presidente da Casa, ele continua aberto no sistema para receber assinaturas dos senadores, inclusive os novos, que assumiram seus mandatos na quarta-feira (01/02). Das 48 já existentes, apenas as dos senadores que encerraram o mandato ou se licenciaram do mesmo, seriam desprezadas. Restariam as 35.
Como noticiou Cruvinel, os governistas no Senado, por motivos menores, dividiram-se em dois blocos. No Resistência Democrática, comandados por Wagner, estão 28 senadores de três partidos: do PT (9), PSD (15) e PSB (4). O Democracia, capitaneado por Calheiros, reúne 31 parlamentares de seis siglas, incluindo ai Randolfe Rodrigues (Rede – AP), líder de Lula no Congresso. Fazem parte desse grupo MDB (10), União Brasil (9), PDT (3), PSDB (3), Rede (1) e até mesmo o Podemos, que entre seus cinco senadores tem o bolsonarista Marcos do Val (ES). Calheiros, a princípio, assumirá a liderança da maioria.
Líderes decidirão
No requerimento da CPI apresentado por Soraya, a grande maioria das 35 assinaturas é de senadores governistas. Do Resistência Democrática são 18 – PSD (11), PT (5) e PSB (2). Outros 14 parlamentares são do Democracia – MDB (4), União Brasil (2), PDT (3), PSDB (2), Podemos (3, incluindo do Val) e o senador Randolfe Rodrigues (Rede – AP). A esses 33 nomes somam-se dois representantes do PP – Esperidião Amin (SC) e Luis Carlos Heinze (RS) – que como do Val, são reconhecidos bolsonaristas.
O pedido já entregue na mesa, mas ainda não lido oficialmente, fala em:
- a) apurar a responsabilidade pelos atos antidemocráticos e terroristas praticados no dia 08 de janeiro de 2023, por grupo de pessoas invadiu e depredou os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto;
b) apurar eventuais omissões cometidas por administradores públicos federais, estaduais e municipais, no controle da segurança nos dias 07 e 08 de janeiro de 2023;
c) apurar a existência de financiadores e difusores deste e outros movimentos antidemocráticos e terroristas.
Pelo que anunciou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) o Requerimento apresentado pela senadora deverá ser debatido em um reunião dos líderes partidários, nessa semana. Em seguida, havendo entendimento, será lido em plenário. Ocorrendo isso, a CPI será instalada, algo que o governo Lula quer evitar.
Marcelo Auler
Marcelo Auler, 65 anos, é repórter desde janeiro de 1974 tendo atuado, no Rio, São Paulo e Brasília, em quase todos os principais jornais do país, assim como revistas e na imprensa alternativa.
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