Forças Armadas esperneiam, mas a Lei é para todos

"Só a punição dos envolvidos (todos, de alto a baixo) os fará marcar novamente o encontro com a dignidade", escreve a jornalista Denise Assis

Denise Assis
Publicada em 21 de agosto de 2023 às 11:16
Forças Armadas esperneiam, mas a Lei é para todos

Mauro Barbosa Cid, Jair Bolsonaro e Mauro César Cid (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil | Pixabay | REUTERS | Divulgação/Alesp)

Faz-se necessário a pergunta: o que leem os oficiais do Alto Comando das Forças Armadas? Por que veículos se informam?  A resposta imediata será: pela mídia tradicional, posto que são conservadores arraigados a tradições e costumes. Ainda assim, não é compreensível – a menos que não leiam nada, não se informem – as declarações que vieram a público no final da semana que se encerrou, de que a Justiça estaria “esticando demais a corda”, com as prisões feitas na sexta-feira, dia 18/08, de oficiais da PM do Distrito Federal.

Tivessem eles parado um minuto na frente daquele canal que roda 24h, e teriam visto os trechos das confabulações golpistas, todas previstas no artigo 359 – L ou M. Ambos falam da transgressão com violência contra o governo constituído, ou atentado contra o Estado de Direito. E, caso os integrantes do Alto Comando não saibam, esta é uma Lei feita para todos e os que a desrespeitam estarão sujeito a sanções. Tenham galardão ou não.

Portanto, caros senhores, muxoxos, cara feia e ranger de dentes, não serão suficientes quando, ao lerem o que escreveram esses oficiais em seus whatsApps, (as trocas de mensagens golpistas) constatarem que, sim, esses oficiais PMs incitaram os colegas à omissão na repressão aos atos terroristas. E mais: facilitaram a depredação do Patrimônio Público que deveriam dizer respeito a vocês também. Um quadro de Portinari é universal. E é nosso.

Encastelados em suas salas vetustas e sombrias, os engalanados das Forças Armadas só querem saber de lustrar as gemas aplicadas nos ombros de suas fardas sem, contudo, esticar o pescoço para a vida cá fora, onde o Judiciário não se movimenta em fileiras de “ordinário, marche”. Ele leva em conta um código que abrange a todos, inclusive os senhores.

Caso não tenha lhes chegado às mãos, posso lhes encaminhar, uma cópia, por exemplo, da “Denúncia do Ministério Público Federal Contra Militares do Distrito Federal”, de 196 páginas, nas quais encontrarão material à larga para as suas indagações e questionamentos. Os senhores que são pródigos em produzir dossiês, se fartariam com as informações ali contidas, e que certamente refreariam a indignação que tomou conta dos seus sentimentos. 

Em matéria publicada pelo jornal Estado de São Paulo, o Alto Comando expõe a sua birra, com declarações em “off”, do tipo: “A opinião generalizada entre militares graduados do Exército é de que essas prisões estão criando instabilidade e insegurança nas Forças Armadas”.

Não, senhores. Não são as prisões que estão criando instabilidade. O que cria instabilidade, é a prática “contumaz” – para usar uma palavra da moda –, das fileiras militares, de olharem para as consequências, e não para a motivação desses processos. De partirem qual galinhas chocas em defesa dos seus pintinhos, sem antes fazer um exame detalhado do que fizeram os seus. Vocês estão misturando práticas efetivadas por vocês pós-1964, de passarem a mão pela cabeça dos que cometeram delitos, em vez de separar os delituosos dos que, em seus batalhões, caminham com lisura e respeito à Leis. 

Há de haver, não é possível que não haja, homens de brio e cientes do dever de respeitar a Constituição, entre vocês. E o distanciamento, aqui, é proposital. Quem se faz de “diferentes” são os senhores, com suas leis próprias e privilégios.

Saindo assim, à galega, para esbravejar contra o Judiciário, o que os senhores estão é, não só ignorando a Constituição, como desrespeitando um dos poderes da República. 

Foram vocês que deixaram os seus cuidados para se imiscuírem na política, emprestando generais da ativa para darem show de incompetência, ganância e desonestidade no cenário político brasileiro. Foram vários de vocês que se agarraram a cargos em que, por exemplo, figuras como a do general Ramos implantou o “orçamento secreto”, ainda hoje ecoando e submetendo as ações de um novo governo. A prática - uma jaboticaba - jogou por terra resquícios de constrangimento durante as votações. 

Em vez de vir a público chorar pitangas pelos nomes enxovalhados no arresto de um governo fascista abraçado por vocês, olhem para as suas fileiras, perguntem quem é quem, e punam os seus faltosos, como o MPF está punindo os PMs do DF que aderiram ao golpe e permitiram a passagem dos terroristas rumo aos prédios públicos. 

O que se fala, na encolha, é que vocês não estão nem aí para puni-los. Pelo contrário. Esperam ao final de três anos que o poder lhes caia mais uma vez no colo e vocês os tirem dos processos, dando a eles uma nova anistia fajuta, e vida que segue. 

Eu diria que se de um lado vocês querem mais lastro nessa corda, do outro a sociedade está clamando por justiça nesse cabo de guerra. Só a punição dos envolvidos (todos, de alto a baixo) os fará marcar novamente o encontro com a dignidade. 

Ninguém os está tripudiando. Tripudiados fomos todos nós, durante quatro anos, com a conivência dos seus comandos. E, nunca é demais lembrar, com a leniência, durante cerca de 70 dias, da horda que vocês agasalharam em seus portões, esperando a hora de entrar em ação. Agora, quem aguarda somos nós. Com toda a calma que o momento exige, a entrada em cena daquela que tem a venda nos olhos, não porque é cega, mas porque não está nem aí para as suas dragonas. Em tempo: quer acalmar o oficialato? Há bons ansiolíticos nas boas farmácias do ramo.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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