‘Liberais’ entram em depressão com a foto de Lula de mãos dadas com Ursula von der Leyen
“O pensamento ‘liberal’ brasileiro, que corteja a extrema direita, não aceita Lula como líder de um gesto pelo livre comércio”, escreve Moisés Mendes
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e Ursula von der Leyen (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Estão ao relento, sem pai nem mãe e sem parentes próximos confiáveis, os pensadores ‘liberais’ ressentidos que não sabem como lidar com o acordo do Mercosul com a União Europeia. Estão deprimidos vendo Lula ser apresentado ao mundo como o líder que fez o acordo avançar.
Há entre os liberais que pensam o que seria hoje o liberalismo (e não os que produzem alguma coisa), juntando economistas, professores, jornalistas, cientistas, coachs de mercado e similares, um sentimento de desalento.
A viabilização de um projeto próximo do que pode vir a ser um comércio com menos restrições, com fortes compromissos com a troca de práticas saudáveis, que incluem a defesa do meio ambiente, não poderia ser liderada por Lula.
Eles sofrem vendo Lula de mãos dadas com Ursula von der Leyen nas fotos oficiais. E cometendo o desplante de falar ao ouvido da presidente da Comissão Europeia, com Javier Milei perdido ao fundo.
É natural que Emmanuel Macron puxe em parte da Europa a gritaria contra o acordo. Macron fala alto em nome do seu agro pop. Mas os brasileiros constrangidos com o acordo murmuram uma tentativa de sabotagem em nome de quem? Por quem choramingam pelos cantos e pelos jornais?
Choram pelos que não representam mais. Não são necessariamente contrários ao acordo, mas estão desconfortáveis testemunharem o que aconteceu. Porque é chato que tal acordo aconteça com a Europa, o que afronta os Estados Unidos que eles idolatram.
E, o que é pior, que tudo o que é referência americana do pós-guerra, na área do comércio internacional e das teorias nessa área, não valha muito nessa hora. Não só para eles, mas por quem tenta entender o que está acontecendo no mundo.
Os liberais brasileiros estão incomodados porque Lula se aproxima da China e da Europa e leva junto alguns parceiros. E porque o que ainda chega de ideias velhas dos Estados Unidos perde relevância como referência até para a argumentação acadêmica.
O mundo ideal liberal que os americanos projetaram na cabeça dos brasileiros por décadas, principalmente a partir dos anos 90 do neoliberalismo, só fingia existir dentro dos Estados Unidos e não existirá com Trump.
O que existe agora é o trumpismo absoluto. Nada mais se sustenta das ideias liberais que Francis Fukuyama, o último soldado do general Custer, acreditou que se espalhariam pelo mundo com o fim da História.
Não há mais confiança a partir dos ideais do liberalismo americano, não o liberalismo apenas econômico, mas das almas, das sociedades pretensamente abertas, democráticas, confiáveis, com instituições fortes e respeitadas. O que os liberais menos têm hoje é confiança.
Os liberais testemunham a ascensão do trumpismo com um Judiciário acovardado e com uma elite confusa sobre os limites entre ser conservadora e ser fascista. É a realidade que os espera em janeiro.
O que sobra também para certos liberais brasileiros é Trump. Eles têm Trump e Milei como referências desconfortáveis. O pensamento liberal brasileiro, sustentando pelo que teria sido o liberalismo prático americano, está órfão. Não há onde se agarrar. No protecionismo do novo chefão que logo estará de volta à Casa Branca? No liberalismo libertário do farsante Milei?
Os grandes pensadores liberais da prosperidade à la Tio Sam sumiram e deixaram o mundo deles aqui entregue a Roberto Campos Neto, Alexandre Schwartsman, à Faria Lima, a Paulo Guedes e a Pablo Marçal. Nunca o mundo liberal verde-amarelo foi tão medíocre.
O acordo com a União Europeia abate os que diziam falar pelos liberais que produzem, porque o setor produtivo, o que planta soja e fabrica pregos, está gostando do acordo. Os que achavam que pensavam por eles, pelos que produzem, se sentem traídos pela Fiesp, pela CNI e pelos que ainda estão quietos.
Quem não gostou do acordo, pelo desconforto que a presença de Lula provoca, não fala pelos que produzem e pode ser representado por figuras depressivas, como um liberal que joga para o bolsonarismo e definiu o que foi acordado, em comentário na TV, apenas como um pedaço de papel.
Outros murmuram queixas, do tipo: o que estão fazendo com a gente? Como Lula pode liderar um acordo que Paulo Guedes deveria ter amarrado? Por que, como deve pensar a Faria Lima, não foi Bolsonaro quem fechou esse acordo?
No geral, não chega a ter gritaria, mas tem o que é o pior como ressentimento nessas circunstâncias. Tem um choro baixo, uma queixa abafada, uma sequência de falas com mas em todos os jornalões. O acordo isso, mas aquilo. O acordo é bom, mas vai demorar. O Brasil ganha, mas perde.
Pulverizou-se o mundo imaginário da velha direita americanizada. O que há no mercado é a extrema direita agora trumpista, aplaudida com entusiasmo por Globo, Folha e Estadão na sua versão argentina.
A direita brasileira que se incomoda com o fechamento do acordo tentará viver num Brasil paralelo de orações por um liberalismo à la Trump e Milei. É por isso que 90% dos liberais das bets da Faria Lima desaprovam Lula e expressam que votariam de novo em Bolsonaro.
Mas Ursula von der Leyen aprova Lula. Até Armínio Fraga e Pedro Malan já aprovaram e depois se recolheram, para que não ficassem mal com seus pares.
O que sobrou para o pensamento liberal verde-amarelo são os destroços do que está aí, com a pulverização das bases da hegemonia americana. Nada restou dos netos dos Chicago boys e seus derivados, ou alguém sabe o que a academia ensina aos seus alunos sobre liberalismo econômico hoje? Quem são os mestres liberais brasileiros?
Alguém ensina aos estudantes que os Estados europeus e os Estados da periferia do Sul poderão ajudar a salvar os mercados? O que falam da China? Contam que o resto de tudo em que eles acreditavam virou apenas um papel numa nuvem analógica em alguma gaveta de um pensador ressentido e deprimido?
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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