Para PGR, decretos que tratam sobre porte e posse de armas de fogo são inconstitucionais
Na contramão do Estatuto do Desarmamento, decretos alteraram política pública definida democraticamente pelo Congresso Nacional
Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira (17), a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, opinou pela inconstitucionalidade dos decretos presidenciais que tratam sobre o porte e a posse de armas de fogo. Para Dodge, os atos do Executivo alteraram indevidamente a política pública aprovada democraticamente pelo Congresso Nacional, inovando no ordenamento jurídico e extrapolando seu poder normativo, em afronta ao artigo 84-IV da Constituição e à reserva de lei (artigo 22-I e XXI, da Constituição).
Segundo o parecer endereçado à ministra Rosa Weber, as medidas vão na contramão do Estatuto do Desarmamento, que estabeleceu exigências rigorosas para o acesso a armas e restringiu as hipóteses de porte, posse e comércio de armamento. “Não há dúvida de que as normas impugnadas, em diversos dispositivos, flexibilizaram as disposições do estatuto, ao abrandar o rigor estabelecido na lei para a concessão de posse e de porte de arma de fogo e aumentar o número de armas disponibilizadas a atiradores, colecionadores e caçadores, em total descompasso com os propósitos legais de fomentar o desarmamento, recrudescer a disciplina sobre tráfico de armas e controlar as armas de fogo em território nacional”, afirmou.
A manifestação foi feita na ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.134, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) contra o Decreto 9.785/2019, que regulamentou o Estatuto do Desarmamento. Logo após o ajuizamento da ação, o presidente da República editou o Decreto 9.797/2019, que alterou o primeiro ato. E, na sequência, publicou mais quatro, o primeiro deles, o Decreto 9.844/2019, revogando os anteriores, e os demais (9.845/2019, 9.846/2019 9.847/2019), atualmente vigentes, regulando a mesma matéria.
“Os Decretos 9.847/2019, 9.846/2019, 9.845/2019, 9.785/2019 e 9.797/2019, a pretexto de regulamentarem as normas do Estatuto do Desarmamento, desbordaram dos limites legais e invadiram campo normativo reservado pela Constituição à disciplina legal. Isso porque os atos executivos inverteram o vetor normativo legal, direcionado à redução de armamentos à disposição da população brasileira, conforme se depreende do próprio nome conferido ao diploma, ampliando e facilitando a posse e o porte de armas de fogo e de munição”, adverte Dodge. Ela também deu parecer em duas Ações de Descumprimento por Preceito Fundamental (ADPF) que tratam do mesmo tema, ajuizadas pela Rede Sustentabilidade. No mérito, opinou pela procedência dos pedidos, mas disse que não devem ser conhecidos pelo STF, pois ADPF não é o instrumento adequado para se fazer esse tipo de questionamento.
Necessidade efetiva – Ao analisar o conteúdo do novo regramento, Raquel Dodge criticou o que chamou de esvaziamento do requisito determinado pela lei para a comprovação da declaração de efetiva necessidade para obter uma arma. O Estatuto do Desarmamento autoriza a aquisição, desde que preenchidos os requisitos legais, como demonstração de efetiva necessidade, comprovação de idoneidade e de capacidade técnica.
Quanto ao direito ao porte de arma de fogo, a lei diz que particular deve demonstrar a efetiva necessidade devido ao exercício de atividade profissional de risco ou à ameaça à sua integridade física. No entanto, o novo regramento considera presumidos os fatos pertinentes à declaração de efetiva necessidade, transferindo à administração a comprovação de que o cidadão não atende ao requisito. “O art. 3º- §8º do decreto, ao conferir presunção de efetiva necessidade para a aquisição de até quatro armas de fogo de uso permitido, esvazia a estrutura restritiva para a aquisição delineada democraticamente pelo legislador. Pelo estatuto, a aquisição de cada arma de fogo de uso permitido deverá ser devidamente justificada. Assim, caberia ao cidadão justificar por qual razão a aquisição de apenas uma arma não atende a sua necessidade”, critica Dodge. Pela previsão do regulamento em vigor, somente com a aquisição da quinta arma caberia ao interessado comprovar o requisito legal.
Posse de arma no domicílio – Contrariando o previsto no Estatuto do Desarmamento, que limita a posse de arma exclusivamente no interior da residência, domicílio ou dependências, o art. 4º-§1º do Decreto 9.845/2019 (mantendo o conteúdo do art. 10-§1º do Decreto 9.785/2019), ampliou o alcance da autorização da posse, uma vez que definiu como residência toda a extensão do terreno em que está localizada a edificação, não apenas a área construída, inclusive para o imóvel rural.
Armas de uso permitido – Os decretos presidenciais alteraram ainda o conceito de arma de fogo de uso permitido e de uso restrito, e aumentaram a potência das armas de uso permitido. Também em relação à arma portátil de alma lisa foram retiradas as limitações relativas a “calibre doze ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros”. De acordo com os novos parâmetros, qualquer arma de alma lisa é de uso permitido. “É certo que o estatuto conferiu ao regulamento a definição das armas de uso permitido e de uso restrito. Isso não significa, contudo, que o chefe do Executivo esteja autorizado a alterar de maneira desproporcional o regime anterior, uma vez que deve se orientar pelos objetivos da lei de fomentar o desarmamento e aumentar o controle sobre as armas em circulação”, asseverou a PGR.
Munições – Segundo Raquel Dodge, as alterações resultaram ainda no aumento considerável e sem razoabilidade do volume de munições autorizadas: 5 mil munições anuais para cada arma de fogo de uso permitido, mil munições anuais para cada arma de fogo de uso restrito, quantidade ilimitada para uso nas armas particulares de membros das Forças Armadas, policiais, agentes penitenciários, guarda portuário, guarda civil de município com mais de 50 mil habitantes, agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. O limite de aquisição, anualmente, por cidadão era de 50 unidades de munição de uso permitido ou de 300 unidades de cartucho no caso de uso esportivo; e para os integrantes das Forças Armadas e dos órgãos de segurança pública, o limite era de 600 unidades por arma registrada.
“Considerando que um atirador [desportivo] pode chegar a possuir até 60 armas (30 de uso permitido e 30 de uso restrito), anualmente cada atirador poderá adquirir 150 mil munições de uso permitido e 30 mil munições de uso restrito. Por outro lado, um caçador pode manter até 30 armas (15 de uso permitido e 15 de uso restrito), o que autoriza a aquisição anual de 75 mil munições de uso permitido e 15 mil munições de uso restrito. Essa quantidade excessiva de munição não é identificada, impedindo o seu rastreamento e controle”, enfatizou. Como o Decreto 9.847/2019 não estabelece limites para a aquisição de munições por civis, Dodge chama atenção para o fato de que a matéria se encontra sem regulamentação, agravando a situação de insegurança jurídica já causada pela sucessiva edição e revogação de regulamentos.
Pedidos – Por considerar que os decretos presidenciais ultrapassaram e substituíram o Poder Legislativo na tomada de decisão acerca da política pública sobre porte e posse de armas de fogo, a PGR aponta afronta ao princípio da separação dos Poderes e ao regime democrático. “Pelas razões expostas, deve ser declarada a inconstitucionalidade dos Decretos 9.685/2019, 9.785/2019, 9.797/2019, 9.845/2019, 9.846/2019, 9.847/2019, com o retorno à vigência do Decreto 5.123/2004”, afirma trecho do parecer.
Entenda o caso – Após a edição do segundo decreto presidencial, alterando o primeiro ato editado pelo Executivo, o PSOL apresentou pedido de aditamento à petição inicial para incluir o Decreto 9.797/2019, tendo o pleito sido deferido pela ministra Rosa Weber. Às vésperas do julgamento pelo STF, o presidente da República apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados para alteração do Estatuto do Desarmamento, e editou quatro decretos para regulamentá-lo. O primeiro deles, o Decreto 9.844/2019, revogou os Decretos 9.785/2019 e 9.797/2019, objetos da presente ação.
Por considerar que os três decretos extrapolaram a função regulamentadora e invadiram campo reservado à lei, e que as razões apresentadas na petição inicial são atuais, Raquel Dodge afirma que deve ser dada oportunidade para que o PSOL faça aditamento à inicial, a fim de incluir os Decretos 9.845/2019, 9.486/2019 e 9.847/2019 atualmente vigentes.
Dodge explica que, de acordo com a jurisprudência do STF, admite-se excepcionalmente o ajuizamento de ações diretas em face de um decreto quando seu objetivo seja questionar a observância ao princípio da reserva legal. Em outras palavras, quando o ato normativo dispuser sobre matéria reservada à lei, admite-se o cabimento de ADI. Isso, porque, prossegue a PGR, neste caso, ocorre ofensa direta à Constituição.
Íntegra da manifestação na ADI 6.134
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