Tribunal de Justiça de Rondônia mantém condenação de policial militar por desacato a superior hierárquico
Após o primeiro julgamento, Pinheiro recebeu a pena de um ano de reclusão em regime aberto domiciliar, sem tornozeleira eletrônica e com direito a suspensão condicional da pena por dois anos, mediante algumas condições
O Tribunal de Justiça de Rondônia decidiu manter a condenação do policial militar 1º sargento PM Jansen Elage Pinheiro pelo crime de desacato, conforme previsto no artigo 298 do Código Penal Militar. A apelação criminal (processo número 0000713-40.2020.8.22.0501) foi julgada no TJRO e teve como relator o desembargador Hiram Souza Marques.
O policial Pinheiro, defendido pelos advogados Ivanilde Marcelino de Castro e José Maria de Souza Rodrigues, foi acusado de desacatar o superior sub-tenente PM Eugênio Nacélio Sampaio Silva. Segundo a denúncia, Pinheiro teria chamado o superior de "covarde, moleque e mentiroso", ofendendo-lhe a dignidade e o decoro.
Após o primeiro julgamento, Pinheiro recebeu a pena de um ano de reclusão em regime aberto domiciliar, sem tornozeleira eletrônica e com direito a suspensão condicional da pena por dois anos, mediante algumas condições. Entre elas, a obrigatoriedade de não mudar de endereço sem comunicar ao Juízo e a necessidade de comparecimento pessoal e obrigatório em Juízo nos primeiros dez dias dos meses pares do ano.
A defesa alegou a improcedência do crime de desacato, citando a ausência de todos os elementos necessários para sua caracterização. Segundo os advogados, não houve ofensa ao exercício de uma atividade pública de forma degradante. Eles afirmam que as acusações foram pessoais e não afetaram o exercício da função do ofendido. Além disso, argumentam que Pinheiro estava sob efeito de bebida alcoólica no momento da ocorrência.
Entretanto, o desembargador Hiram Souza Marques, em seu voto, negou provimento ao recurso. Ele salientou que a ingestão voluntária de bebida alcoólica e o estado de nervosismo do agente não afastam a tipicidade da conduta. Além disso, enfatizou que a prova testemunhal demonstra que o apelante faltou com o devido respeito ao seu superior hierárquico.
Portanto, a condenação de Pinheiro foi mantida, ratificando que o respeito à hierarquia e à disciplina são essenciais para o bom funcionamento do organismo militar.
ÍNTEGRA DA DECISÃO
2ª Câmara Especial / Gabinete Des. Hiram Souza Marques
Processo: 0000713-40.2020.8.22.0501 - APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Relator: HIRAM SOUZA MARQUES
Data distribuição: 28/07/2022 11:07:08
Data julgamento: 06/06/2023
Polo Ativo: JANSEN ELAGE PINHEIRO
Advogados do(a) APELANTE: IVANILDE MARCELINO DE CASTRO - RO1552-A, JOSE MARIA DE SOUZA RODRIGUES - RO1909-A
Polo Passivo: MPRO (MINISTÉRIO PÚBLICO DE RONDÔNIA)
RELATÓRIO
Jansen Elage Pinheiro apela da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Auditoria Militar da Comarca de Porto Velho que o condenou pela prática do crime previsto no art. 298 (desacato) do CPM – Código Penal Militar.
A sentença foi julgada procedente nos seguintes termos:
ISTO POSTO, o Conselho de Permanente de Justiça, à unanimidade, JULGA PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para CONDENAR o acusado, policial militar 1º SGT PM Jansen Elage Pinheiro, por infração a norma contida no art. 298 do Código Penal Militar, aplicando-lhe a pena definitiva de 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto domiciliar, sem tornozeleira eletrônica e com direito a suspensão condicional da pena, por dois anos, mediante as seguintes condições:
1) Não mudar de endereço sem comunicar ao Juízo;
2) Comparecimento pessoal e obrigatório em Juízo, bimestralmente, nos primeiros dez dias dos meses pares do ano;
3) Não deixar a comarca por mais de 60 dias sem autorização do Juízo a que estiver subordinado;
4) Manter comportamento honesto e compatível com a vida em comunidade.
Em suas razões, aduz a improcedência do crime de desacato, pois ausentes a presença de todos os elementos necessários à sua caracterização, pois não houve ofensa ao exercício de uma atividade pública de forma degradante, mas apenas acusações pessoais que não atingem o exercício da função do ofendido, pois foi provocado injustamente pela suposta vítima; e por fim, que se encontrava sob efeito de bebida alcoólica (fls. 193-202)
Contrarrazões pelo não provimento do apelo (fls. 205-16).
A Procuradoria de Justiça manifesta-se pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR HIRAM SOUZA MARQUES
Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Extrai-se da denúncia que, no dia em 18/01/2020, por volta das 03h00min, o denunciado desacatou o superior Sub Ten PM Eugênio Nacélio Sampaio Silva, que estava de serviço, “chamando-o de ‘covarde, moleque e mentiroso’, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro, além de procurar, com tal conduta, deprimir a autoridade deste, na presença de outros policiais”. Esclarece que o fato ocorreu quando a guarnição do Sub Ten PM Eugênio foi atender uma ocorrência envolvendo o acusado e sua esposa, momento em que, ao conversar com o 1º Sgt PM Pinheiro, o mesmo passou a ofendê-lo, quando, então, recebeu voz de prisão.”
Consta dos autos Auto de Prisão em Flagrante Delito (16571683 - Pág. 1), boletim de ocorrência policial militar n. 2020 - A - 013 (id n. 116571683 - Pág. 7), Termo de Apreensão (id n. 16571683 - Pág. 14), depoimentos prestados na fase extrajudicial (16571683 - Pág. 16 e seguintes), Nota de Culpa (16571683 - Pág. 31) e depoimentos na fase judicial (16571837 - Pág. 1).
Em audiência de instrução, coletaram-se as declarações da vítima e das testemunhas SD PM Rogério Afonso Oliveira, 1º TEN PM Marciney da Costa e Silva, CB PM Pedro Átila Dias Costa, SD PM Rodrigo Cordeiro de Lima (ID 63674020), Lisângela Carvalho Brasil e CB PM Francisco Johnny Gonçalves Pereira (ID 66510132).
O apelante não foi interrogado, muito embora devidamente intimado, inclusive através do ofício n. 778/2021 – ID 65013303.
Sobre os fatos, o ofendido esclareceu em juízo que foi acionado primeiramente pelo próprio acusado, por volta de meia noite. Na ocasião, este solicitou o registro de boletim de ocorrência pois quebrou a porta dos fundos da casa que dividia com sua esposa e pegou alguns objetos pessoais, todavia, o servidor o orientou a aguardar o retorno de sua esposa à residência, para que pudessem resolver a questão.
Afirmou que se deslocou ao quartel e foi acionado novamente por volta das 03:00, retornando ao local com o apoio da CPOC, pois ao sair da casa na primeira oportunidade já tinha sido atacado verbalmente pelo policial.
Afirmou que, no retorno ao local, o policial da CPOC perguntou ao acusado qual seria o problema, ocasião em que respondeu que pegaria uma cerveja, e no retorno já começou a lhe destratar, o chamando de “covarde, moleque, e vários outros palavrões”. Que de imediato pediu respeito, pois é superior hierárquico.
Após dar voz de prisão ao recorrente, ele disse que só sairia de casa algemado, o que foi feito. Acredita que o réu ficou com raiva, pois não quis fazer o registro da ocorrência no primeiro momento em que solicitado.
Tais fatos foram confirmados pelo policial Afonso, o qual relatou que o acusado aparentava estar sob efeito de bebida alcoólica, mas não ao ponto de não ter lucidez do que fazia. Por ocasião da prisão, o recorrente estava alterado, inclusive o Tenente Costa informou que foi necessário algemá-lo (Testemunha SD PM Rogério Afonso Oliveira (Extrajudicial ID 57595299 - Pág. 18-19 e Judicial ID 63674020).
Por sua vez, a testemunha Marciney da Costa e Silva, informou que estava como CIOP, sendo acionado juntamente com os demais policiais por envolver militar.
O depoimento do CB PM Átila segue no mesmo sentido sobre o desacato promovido pelo recorrente, bem como ressalta o estado etílico do acusado, apesar de estar consciente do que estava fazendo (Testemunha CB PM Pedro Atila Dias Costa - Extrajudicial ID 57595299 - Pág. 23-25 e Judicial ID 63674020).
A testemunha Lisângela Carvalho Brasil, ex-esposa do apelante e por ele arrolada, ao ser ouvida em juízo confirmou que ela juntamente com o recorrente haviam ingerido bebida alcoólica, e que este estava bem alterado, confirmando a briga entre o casal. Disse, no entanto, que não presenciou a abordagem da vítima e do acusado, acrescentando que o ST Eugênio a conduziu à prisão sem motivo, muito embora estivesse em seu quarto na hora dos fatos.
Também é certo que o réu estava sob influência de bebida alcoólica, fato inclusive confirmado pelo acusado, muito embora tenha se negado a realizar o teste do bafômetro, para constatação da embriaguez (certidão ID 57595299 - Pág. 29).
Pois bem. Quando se observa o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Rondônia verifica-se a existência da seguinte regra: “A disciplina militar é a rigorosa observância e acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições. Traduzindo-se pelo perfeito dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar.
Por sua vez, o apelante não foi qualificado e interrogado em juízo, já que a defesa pediu sua dispensa. Inclusive, na fase extrajudicial, permaneceu calado.
Ou seja, durante toda a instrução, o apelante não apresentou sua versão sobre os fatos, porém, consta nos autos fartas provas, que demonstram a ocorrência do crime de desacato a superior.
No entanto, admite em suas razões recursais que de fato proferiu as palavras de xingamento a suposta vítima de “moleque e covarde”, porém, tenta demonstrar que tais ofensas foram praticadas em estado profundo de cólera, após ter sido instigado pela vítima que o teria chamado de “corno”, todavia, tal afirmação encontra-se desacompanhada de qualquer outras provas.
Nenhum dos policiais ouvidos nos autos, e presentes no momento dos fatos, confirma que o ofendido tenha provocado o recorrente.
A conduta descrita nos autos demonstra clara ofensa à hierarquia e disciplina, posturas que imperam na polícia militar, ao ponto em que ofendeu o decoro de seu superior, ao praticar as ofensas descritas na denúncia.
Comete o crime de desacato o agente que profere xingamentos contra policiais no exercício da função, com intenção de menosprezar a função pública.
Ora, o estado de nervosismo, ânimo exaltado, e tampouco a ingestão de bebida alcoólica voluntária do agente não afastam tipicidade da conduta.
A prova testemunhal carreada aos autos é robusta e demonstra que o apelante faltou com o devido respeito ao seu superior hierárquico, bem como aos demais policiais que estavam na ocasião.
Dispõe o Decreto-Lei nº 09-A/82, da Polícia Militar do Estado de Rondônia:
Capítulo II
Da Hierarquia Policial-Militar e da Disciplina
Art. 13. A hierarquia e a disciplina são a base institucional da Polícia Militar, crescendo a autoridade e a responsabilidade com a elevação do grau hierárquico.
§1º A hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura da Polícia Militar, por postos ou graduações. Dentro de um mesmo posto ou graduação, a ordenação se faz pela antiguidade nestes, sendo o respeito à hierarquia consubstanciado no espírito de acatamento à sequência da autoridade.
§2º Disciplina é a rigorosa observância e acatamento integral da legislação que fundamenta o organismo policial-militar e coordena seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte todos e de cada um dos componentes desse organismo. (destaques nossos)
§3º A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias pelos Policiais-Militares em atividade ou na inatividade.
(...)
Dos Deveres Policiais-Militares
Art. 32. São deveres dos Policiais-Militares:
(…)
IV – a disciplina e o respeito à hierarquia;
Em vista disso, comprovada a falta de dever funcional do apelante e o comprovado desacato desferido contra seu superior hierárquico, em desacordo com as normas que regem a instituição, é caso de manter a sentença que o condenou nas penalidades supracitadas.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso interposto pelo acusado.
É como voto.
DESEMBARGADOR ROOSEVELT QUEIROZ COSTA
De acordo.
DESEMBARGADOR MIGUEL MONICO NETO
De acordo.
EMENTA
PENAL. POLICIAL MILITAR. DESACATO A SUPERIOR HIERÁRQUICO.
Comete o crime de desacato o agente que profere xingamentos contra policiais no exercício da função, com intenção de menosprezar a função pública.
O estado de nervosismo e o ânimo exaltado em razão da ingerência de álcool do agente não afasta a tipicidade da conduta.
Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Magistrados da 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, RECURSO NAO PROVIDO, A UNANIMIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR
Porto Velho, 06 de Junho de 2023
Relator HIRAM SOUZA MARQUES
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