Zé do Bode está preso e não entende por que Bolsonaro ainda está solto

O Brasil não irá curar seus traumas, depois de quatro anos de fascismo e golpismo, sem a prisão de Bolsonaro, mesmo que os ‘especialistas’ não queiram

Moisés Mendes
Publicada em 21 de agosto de 2023 às 11:21
Zé do Bode está preso e não entende por que Bolsonaro ainda está solto

Jair Bolsonaro na Assembleia Legislativa de Goiás - 18.08.2023 (Foto: Reprodução)

 

Se as opiniões dos especialistas em Direito ouvidos quase todos os dias pelos jornalões orientassem as decisões da Justiça no Brasil, não teríamos as provas já reunidas das ações dos fascistas contra a democracia.

Se os especialistas tivessem o poder de influência que ainda imaginam ter, Bolsonaro nunca seria preso antes de uma condenação em última instância.

Porque, dizem os especialistas, ele não foi flagrado cometendo crimes e não dá sinais de que possa fugir, tramar a destruição de provas ou orientar seus cúmplices.

Não vale para Bolsonaro, para requerer uma prisão preventiva, o conjunto da obra que vale para outras situações e valeu, por deliberação política, para a farsa do impeachment de Dilma Rousseff.

Não vale juntar elementos dos crimes da pandemia, da fraude do cartão da vacina, das muambas das joias, da lavagem de dinheiro, da conspiração contra a eleição e da tentativa de golpe contra Lula.

Não é assim que funciona. A possibilidade de prisão hoje depende dos crimes dos muambeiros. E não há, segundo os especialistas, nada que possa justificar uma prisão preventiva nesse caso.

Nada indica a existência de riscos para o que está sob investigação. Nem o telefonema de madrugada do advogado de Bolsonaro para o advogado de Mauro Cid.

Não haveria nada de surpreendente na decisão do advogado de Mauro Cid, depois do telefonema, de recuar, na sexta-feira, da delação que havia anunciado na quinta.

Bolsonaro está no centro de tudo. Todas as provas e os indícios reunidos até aqui têm seus rastros. Todos os envolvidos em todos os crimes eram seus assessores.

Mas não haveria o risco de Bolsonaro coagir parceiros de crimes. Como não havia, segundo os especialistas, nos casos de Anderson Torres e Mauro Cid.

Se os especialistas tivessem sido levados a sério, em meio ao mais tenebroso período vivido pelo Brasil desde a redemocratização, não haveria nada do que já existe contra as quadrilhas bolsonaristas.

Não teríamos dois modelos da minuta do golpe, os cartões de vacina fraudados, as negociações das joias e as movimentações financeiras da família.

Dois personagens, apenas dois, ofereceram ao sistema de Justiça quase tudo o que poderia levar à prisão de Bolsonaro.

Mas os especialistas entendem que não há lastro de sustentação a um pedido de prisão preventiva.

Porque os especialistas são legalistas de tempos de normalidade. E raciocinam em torno da possibilidade de prisão de um líder fascista como se estivessem tratando da contenção de um bandido comum.

Os especialistas, que os jornais transformaram em elite quase apartada do mundo leigo que nada entende de Direito, percebem o Brasil como um país capaz de normalizar sua realidade anormal.

Bolsonaro e seu entorno teriam o direito de desfrutar do que combatem, e o Supremo precisaria conter seu ímpeto justiceiro.

A prisão preventiva, como justa demanda dos comuns, que nada entendem do que entendem os especialistas, deveria ser descartada.

O Brasil que até hoje debate se foi golpe ou não foi golpe o golpe contra Dilma debate agora se a prisão preventiva de um fascista seria desvio de conduta no esforço que poderia nos levar a uma reparação.

O Brasil que tenta restaurar a democracia não quer saber se o Supremo é ou não é iluminista. Se Ministério Público e Judiciário devem ter superpoderes em tempos anormais.

Se há ou não excesso de ativismo do STF ou se é preciso interromper a judicialização da política.

O Brasil quer saber se Bolsonaro pode ser preso, assim como prenderam Sara Winter, Delcídio do Amaral, Roberto Jefferson, Daniel Silveira, Anderson Torres, Mauro Cid, os sete PMs golpistas do Distrito Federal e mais de 1,4 mil manés, a maioria ainda sem condenação.

Não haverá cura dos traumas do fascismo sem a prisão de Bolsonaro. É só isso.

Sem teses que valem para ele, mas não valeram para o Zé do Bode de Piracicaba que invadiu Brasília. Sem o latim de explicadores do que seria a aplicação do Direito em tempos anormais.

A possibilidade de não acontecer com Bolsonaro o que aconteceu com criminosos do entorno dele que viraram presidiários, mesmo que temporariamente, é o que nos aflige hoje.

Mas os especialistas, tão sensatos e tão rigorosos na interpretação de leis que lhes garantem o sustento como especialistas, não misturam hermenêutica com aflições.

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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