O discurso do ódio e da brutalidade de Bolsonaro

"Passou da hora de encarar as afirmações tresloucadas de Bolsonaro como exotismos inofensivos"

Helena Chagas/Brasil 247/Foto: (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Publicada em 30 de julho de 2019 às 14:02
O discurso do ódio e da brutalidade de Bolsonaro

Helena Chagas é jornalista, foi ministra da Secom e integra o Jornalistas pela Democracia

"A esta altura, a missão de defender a democracia e os valores duramente conquistados contra o discurso do ódio a da brutalidade não é apenas das instituições. É de toda a sociedade", avalia a jornalista Helena Chagas; "Passou da hora de encarar as afirmações tresloucadas de Bolsonaro como exotismos inofensivos"

A questão não é a defesa da exploração mineral em áreas indígenas, pois isso há muito tempo faz parte do debate – e deve ser decidido no Congresso Nacional. O problema é o discurso de um presidente da República que quer fazer os índios deixarem e ser índios e saírem de seus “zoológicos”, abrindo caminho a atos de brutalidade como a invasão da aldeia Waiãpi por garimpeiros e o assassinato do cacique Emyra – do qual Jair Bolsonaro duvidou esta manhã. Com todo esse estímulo para defender os índios, a Funai e a Polícia Federal levaram três dias para chegar à aldeia.

Para muitos que votaram nele, também não foi um grande problema, por si só, o fato de o presidente da República ser um militar que, lá em 1964, esteve ao lado do golpe. Mas mesmo esses devem estar estarrecidos com as palavras de Jair Bolsonaro nesta manhã, quando agrediiu o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, com o mais abjeto dos discursos, afirmando que, se ele quisesse, poderia explicar como o pai dele, Fernando Santa Cruz, desapareceu durante a ditadura militar.

O que fez o presidente da OAB? Deixou que a entidade impedisse que a Polícia Federal quebrasse o sigilo telefônico de um dos advogados de Adélio Bispo, autor das facadas que levou na campanha eleitoral. É possível também que, ao investir contra a OAB, Bolsonaro esteja querendo intimidar a instituição, que tem tido papel importante na defesa de direitos junto ao Judiciário.

Imaginávamos que essa página já estivesse virada com o reconhecimento, pelo Estado, das atrocidades que resultaram nos mortos e desaparecidos da ditadura. Mas o discurso do ódio e da brutalidade de Jair Bolsonaro a trouxe de volta. E talvez, do ponto de vista histórico, essa tentativa diária de corrosão dos valores que forjaram a democracia em que vivemos hoje, e que permitiu sua eleição, seja o maior dano do governo do capitão ao Brasil. Pior até do que a inépcia e a incapacidade de governar e resolver problemas como o desemprego e a estagnação econômica.

Foram necessários muitos anos, muito sofrimento e muitas vidas para derrubar a ditadura. Foi uma conquista da sociedade brasileira que, dividida em 1964, juntou-se vinte anos depois contra o regime militar – depois de muita censura e arbítrio. Depois, sobretudo, de a classe média conservadora que fora às ruas defender o golpe ver seus filhos serem mortos, torturados, desaparecidos.

É bem possível que tenham aprendido a lição, e quem sabe a tenham transmitido a seus filhos e netos. Porque, a esta altura, a missão de defender a democracia e os valores duramente conquistados contra o discurso do ódio a da brutalidade não é apenas das instituições. É de toda a sociedade. Passou da hora de encarar as afirmações tresloucadas de Bolsonaro como exotismos inofensivos.

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